quarta-feira, 29 de junho de 2011

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Reino e o Reinado

Vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia dai-nos hoje. Perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Pois vosso é o reino o poder e a glória para sempre, amém!

A palavra reino aparece duas vezes na oração. Na segunda frase: "Pois vosso é o reino…" Reino tem a conotação de tudo o que existe, isto é, de tudo o que é sustentado pelo DEUS . E o DEUS a tudo sustenta, pois só Ele (a TRINDADE) existe, tudo o mais subsiste nele.

Na primeira frase: "Venha a nós o vosso reino…" Reino traz o conceito de Reinado. É o pedido para que o reinado da TRINDADE seja estabelecido na terra.

É um pedido! O que pressupõe o desejo voluntário de quem pede!

Por que, a um ser todo-poderoso, se deve pedir, na realidade que Ele mesmo sustenta, a feitura de sua vontade?

O DEUS, que, por definição, tudo pode, concedeu, temporariamente, a possibilidade da rebelião, e, em o permitindo, sustenta a existência dos rebelados.

O DEUS, de toda a criação, possui todo o poder, mas, não é possuído pelo poder, daí cede espaço para a existência de consciências arbitrárias.

O DEUS decidiu que reinaria sobre os que desejassem estar sob o seu reinado.

Nesse tempo, que chamamos de hoje, o DEUS está a recrutar os que querem sobre si o reinado da TRINDADE.

Oram, conforme essa oração, os que voltaram do estado de rebelião para o estado de adoração, que é a maneira adequada de relacionar-se com o DEUS do Universo.

Não há, entretanto, nessa fase da história, boas notícias para os que fizeram essa opção.

O novo testamento começa com o DEUS sendo expulso do templo, e termina com Jesus do lado de fora da igreja.

No início do relato da nova aliança, João, o Batista, que é sacerdote da família de Arão (Lc 1.5,13), e que, portanto, se tudo estivesse sob o reinado do DEUS, estaria como sumo-sacerdote, está no ermo, dizendo ser a voz daquele que fala do deserto (Jo 1.23): o DEUS que sofreu a defenestração com a assunção do sumo-sacerdócio pelos lacaios dos romanos (Lc 3.1,2 - Hendriksen - Ed Cultura Cristã - comentários a Lucas 3.1 e João 11.49-52; 18.13, 19-28)

No final do NT, na carta à Igreja em Laodicéia, Jesus, o Cristo, está, do lado de fora, a bater à porta, na expectativa de ser ouvido. Além disso, o próprio Cristo levantou a questão de se ele, em sua vinda, em glória, acharia fé na terra (Lc 18.8). Ele falava dos seus, uma vez que fé é dom de Deus (Ef 2.8).

Pedir o reinado do Pai é submeter-se ao doloroso trabalho de transformação, protagonizado pelo Espirito Santo, que se utiliza, inclusive, das lutas diárias: Jo 15.2; Rm 5.3-5; 8.29; 2Co 3.18; Col 1.11,12; 2Tm 3.10-13; Hb 10.36, 12.1-11; 1Pe 4.12-19.

Sujeitar-se ao reinado do Pai é passar pelo sofrimento resultante da rebelião, que se manifesta na história e nos enfrentamentos espirituais: Mt 5.11,12, 10.16-39; Mc 10.29, 30; Jo 15.20; 2Co 12.10; 2Tes 1.4, 5; 2Tm 3.12; Ef 6.10-13; 1Pe 4.12-19.

Submeter-se ao reinado do Pai é perseverar frente ao engano dos falsos profetas, discernindo os seus desvios, e diante do esfriamento do amor em quase todos, dos que se definiam como seguidores do Cordeiro (Mt 24.11-13).

O Israel, no Antigo Testamento, tinha uma missão na história para o bem da humanidade; o Israel, no Novo Testamento, a Igreja (Rm 11.17), tem uma missão na humanidade para o bem da história.

O objetivo do DEUS, ao formar Israel, era trazer a criança prometida no Jardim (Gn 3.15, 12.1-3; Gl 3.16). O Israel, no AT, a deveria trazer para a história. As recompensas, nessa fase do Israel, eram históricas, o DEUS lhe prometeu que se cooperasse com Ele, nessa tarefa, comeria do melhor da terra. O Israel, no AT, tinha de chegar à terra prometida e lá ficar, porque a criança tinha lugar certo para nascer (Miq 5.2).

O papel do Israel, no NT, é anunciar a criança para todas as famílias da Terra, assim, ao contrário do que perseguia, no AT, uma terra em que mana o leite e o mel, nessa fase, Israel tem que, o tempo todo, sair de qualquer terra para ir à toda a Terra.

A amplitude e recompensa do Israel, no NT, aqui, é uma comunidade solidária e planetária (Mc 10.29,30; 1Pe 5.9) e uma história de glória na eternidade (Mt 5.12). O Israel, no NT, não pode prender-se à história, como a vivemos, para que a história da humanidade se torne bem-aventurada na dimensão da eternidade.

O Israel, no NT, a Igreja, como comunidade sob o reinado do DEUS, vive nesta história, nela sinaliza o reinado do DEUS, que já está presente em si, e influencia a sociedade para que, na medida possível, experimente os padrões do reinado, implantando a justiça onde o conseguir, e o faz para que mais da humanidade sobreviva, pelo debelamento da pobreza e de toda a sorte de opressão do homem pelo homem, mas, jamais perde o foco na eternidade, porque hoje é tempo de arrependimento, pois, toda a rebelião será debelada, e o reinado do DEUS será estabelecido, e só os arrependidos nele viverão.

Ora "venha o vosso reino", quem se arrependeu de estar em estado de rebelião; quem entende que a sociedade, também, deve se arrepender pelo estado de rebelião, que se manifesta no pecado estrutural; quem crê que Jesus, é Deus e Cristo (Mt 16.16); quem crê que virá o reinado eterno do DEUS (Mc 1.14,15); quem reconheceu ser um privilégio estar em comunidade sob o reinado; quem reconhece que só há comunidade onde há justiça; quem sabe que só pela eficácia do sacrifício do Deus Filho, manifesto na cruz (1Pe 1.18-20) e na sua ressurreição, é possível participar no reinado; quem entende que a dor da Cruz é pequena frente à vida abundante da Ressurreição, que, boa notícia, já é possível desfrutar desde agora, como indivíduo e sociedade!


Ariovaldo Ramos

Anseio trancendente

"O homem sabe que há na alma matizes mais desconcertantes, mais incontáveis e mais inomináveis do que as cores de uma floresta outunal. . . . Ele ainda assim crê que essas coisas possam, todas elas, em todos os seus tons e semitons, em todas as suas mesclas e combinações, ser acuradamente representadas por um sistema arbitrário de grunhidos e guinchos. Crê que um corretor da bolsa civilizado pode de fato produzir de suas entranhas sons que denotem todos os mistérios da memória e todas as agonias do desejo."


G. K. Chesterton

Descanso

Mais uma da Série Talmidim.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

Eternizar o Instante

Ainda adolescente, assisti a um filme russo produzido na antiga União Soviética. O filme contava a história de um rapaz destacado para o front na II Guerra Mundial. 

Depois de dois anos longe de casa, ele finalmente ganhou um salvo conduto para visitar sua casa por 15 dias. Ficaria com a mãe. Mas a viagem de regresso foi cheia de percalços: o trem quebrou, houve ataque de tropas inimigas, perdeu a conexão, nevou. Aconteceram tantos incidentes, tantos atrasos, que ao desembarcar na estação do vilarejo, o jovem só dispunha de meros quinze minutos antes de pegar o trem de volta. Se não fizesse, enfrentaria processo como desertor.

O inominável aconteceu: a mãe também se atrasou. Os únicos quinze minutos do rapaz foram gastos a andar, desesperado, de um lado para outro. O tempo se esgotou e ele se viu obrigado a subir no mesmo vagão que viera. No exato momento em que o trem começou a se afastar, a mãe chega. A dramaticidade do filme atinge ao ponto máximo quando a mulher corre. Com a locomotiva já em movimento, filho e mãe mal conseguem tocar a ponta dos dedos.


O esforço da viagem se resumiu a esse simples toque, e a uma mera troca de olhares. Na última cena, o vagão some na curva, enquanto o rapaz se recosta, aliviado, no assento de madeira. Ele está feliz, com um leve sorriso nos lábios. O filme deixou uma mensagem: quando amamos, qualquer encontro, mesmo fluido, rápido, impermanente, é precioso.

Na vida, temos duas dimensões: passado e futuro; um passado que se alonga e um futuro que se encolhe. Nunca temos o presente. O instante nos foge. O presente escapa, esfumaça-se, dilui-se. A única constância que existe é o fluxo do devir que transforma futuro em passado. E não há nada ou ninguém que possa impedir.

No rápido hiato entre porvir e pretérito, alguns acontecimentos se perdem, outros se eternizam. Com o passar dos anos a memória vai se tornando seletiva. No que vivenciamos, apenas um punhado de coisas fica armazenada; algumas doloridas, outras felizes.

Sempre que guardamos algum evento, eternizamos o instante. Ficam com a gente tanto coisas boas como ruins. Carregamos em algum recinto da alma, cicatrizes, traumas, olhares ferinos, frases destruidoras, gestos ameaçadores. Também mantemos, como flash, incentivos, abraços solidários, acolhimentos, sorrisos.

Participei de reuniões que já não recordo a data. Dia, mês e ano se apagaram, mas consigo perceber o semblante de pedra das pessoas que lá estavam, posso repetir alguma frase agressiva e ainda noto a mão gelada que me cumprimentou na despedida.

Esqueci o nome de amigos. Perdemos o contato e já não sei por onde andam, mas posso descrever, piadas, brincadeiras e sorrisos que fizeram desses amigos a riqueza de minha história.

Meus pais ficarão eternizados dentro de mim. Bem criança, lembro de que o dedo estendido do papai substituía a sua mão. Sempre que saíamos para algum lugar, ele cerrava o punho para deixar apenas o indicador para eu segurar. Aquele dedo era minha âncora – só de lembrar, sinto-me forte. Ficou impregnada a iniciativa da mamãe de passar a limpo o meu dever de história do Brasil. Desde aquele longínquo quarto ano primário, as páginas do caderno, com sua letra bem desenhada, continuam nítidas.

Sou um museu de imagem e som. Vez por outra visito a sala onde ouço vozes e projeto filmes com a Carolina engatinhando, a Cynthia arengando para não comer e o Pedro aprendendo a andar de bicicleta. Nesses arquivos, recebo o abraço da Geruza, no aeroporto, para me receber de uma longa viagem ao exterior.

Acredito que viver se reduz ao esforço de não deixar que a fração diminuta do que entendemos por tempo se disperse, mas continue impregnada na alma. Sim, viver é estocar memórias até o momento em que o corpo vai notar que vida está nos derradeiros centésimos de segundos. Aquele instante em que veremos, num relance, tudo o que entesouramos; quando fecharemos os olhos com o sorriso do jovem soldado russo.


Ricardo Gondim

domingo, 26 de junho de 2011

A poética do encontro

Sem dúvida um dos lugares que me dão mais alegria em estar, hoje em dia, é o pátio da Fundação Casa (Febem), onde faço visitas semanais.

Existe uma poética linda por trás de meu encontro com aqueles meninos.

A Adélia Prado tem um poema que diz: “Algumas vezes Deus me tira a poesia, quando isso acontece ao pegar uma maçã vejo apenas uma maçã”. Minhas idas a Fundação são repletas desta percepção de belezas poéticas que são reveladas através do Espírito, belezas que a maioria das pessoas não consegue mais enxergar.

Tenho visto, por exemplo, a vitória da esperança. Temos uma capacidade quase infinita de suportar a dor, desde que haja esperança. Diz-se por ai que a esperança é a última que morre, creio que é a penúltima porque quando se morre a esperança se conclui que não há mais razões para viver. Alguns daqueles meninos chegam àquele lugar horrível sem razões pra viver, sem esperança. Já ouviram tantas vezes que nunca seriam nada na vida, já passaram por tanta violência, já foram maltratados de tantas formas que acreditam realmente que a vida não tem mais jeito, que o jeito é morrer.

Impressionante o que um abraço pode fazer! O poder do abraço, o poder do sorriso! Minha mãe dizia que não existe cara feia pra quem sabe sorrir. Não existe sensação mais maravilhosa do que ver nosso sorriso contagiando semblantes tristes e carrancudos.

A palavra compaixão ganha novos contornos em meu coração e saio de lá mais humano, com muita reverência pela vida. Após longos abraços e muitos sorrisos, as fisionomias tristes agora ganham brilho especial, brilho do céu. Creio que ficam parecidas com a do Jesus menino.

A minha face também sai de lá resplandecente!

Hoje, sei que Jesus não pregava simplesmente o evangelho, Ele era e é o próprio evangelho.

Minha oração é para que você também se torne o evangelho, boas novas para alguém. Sorria, abrace, toque, a fim de ver a face do Cristo resplandecendo nas pessoas.

Você conseguirá ver algo novo resplandecendo dentro de você.


Rogério Quadra

Ventos

Aqui vai mais um.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A .da Silva

Reinos

Segue.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Longe de um jardim

Como eu ia dizendo, tudo é irrecuperável. Tudo se perde. Talvez nem tudo seja inevitável, mas sem qualquer dúvida tudo é irreversível. Esta é a maldição deste universo, e também sua mais desconcertante fonte de beleza.

Há uma visão a respeito de Deus que poupa a divindade precisamente desse constrangimento – poupa-o da irreversibilidade que caracteriza a essência da experiência humana e da realidade. Essa é provavelmente a visão mais popular a respeito de Deus, talvez por dar a impressão que, tornando tudo no universo recuperável para Deus, está fazendo um grande favor à reputação da grandeza divina.

Segundo essa visão, Deus é onipotente no sentido em que é capaz de, em cada momento da história e até o fim, reverter qualquer injustiça, reparar qualquer erro, anular qualquer deslize, ressuscitar qualquer personagem, engendrar qualquer final feliz. Para os que abraçam essa visão, Deus pode se quiser apagar os horrores do nazismo e cancelar o embaraço das cruzadas e das inquisições. Pode apagar toda a história que nos separa da Queda ou do Caos (a mesma história que nos une a eles). Pode apagar todos os traços do constrangedor experimento que é o nosso universo e deixar a lousa imaculadamente limpa para outra tentativa. Se não o faz permanece sendo questão da inegociável autonomia divina; porém devemos entender como magnífico consolo saber ou acreditar que, caso quisesse, ele poderia.

Esse Deus fora do tempo e segurado contra terceiros é uma curiosidade filosófica e existe inteiramente à margem do testemunho apaixonado da narrativa bíblica. O Deus da Bíblia conhece plenamente e sabe lamentar pungentemente o peso do que é irreversível; ele conhece a vastidão da sepultura, a assolação das omissões, o abismo profundo das ausências, a cicatriz sem consolo das violências, o terror sagrado das traições. E em Jesus, para quem acredita nele, Deus experimenta na própria carne cada uma dessas desolações.

O Deus da Bíblia é um marido traumatizado pela deslealdade da esposa, um homem marcado pelo abandono dos amigos, um visionário ultrajado pelo fogo da traição e da incompreensão; é um ressuscitado com cicatrizes muito visíveis, um idealista que não desconhece a amargura, um leão vivo que é também um cordeiro que conheceu a morte. Se não deixa em momento algum de amar, não é por ter o conforto de poder restaurar a qualquer momento o que foi perdido, mas por saber que tudo no universo e na história que não foi redimido pelo amor é para sempre irrecuperável.

Como tudo é irrecuperável, segue-se que tudo é santo, mesmo aquilo que a experiência humana tem de mais abominável e aterrador. Santo, numa palavra, quer dizer singular. Cada momento é santo porque é singularíssimo e irrecuperável, cada injustiça é santa porque reside num momento que poderia ter sido vivido de outra forma e nunca será. Nunca mais.

Talvez seja esse o sentido e a necessidade do lago de fogo postulado pelo Apocalipse, o lago de enxofre que arde dia e noite para todo sempre, paralelamente aos esplendores do paraíso e quem sabe ajudando a iluminá-los. Os momentos abomináveis da história humana – os momentos abomináveis da minha história – são irreversíveis e a justiça ausente deles é para sempre irrecuperável. O lago de fogo existe para que sejam eternamente lamentados, isto é, eternamente celebrados, e esse incansável ranger de dentes talvez seja o mais próximo que esses momentos chegarão da redenção.

Seria ao mesmo tempo injusto e inconcebível que o Paraíso prescindisse dessa eterna dor, da qual brota a flor mais imaculada e cegante da sua beleza. As folhas da árvore da vida curam as nações, mas não mudam a história de suas enfermidades. A ressurreição injeta vida no que era inerte e estéril, mas não apaga as cicatrizes da violência e as reminiscências da morte.


Paulo Brabo
retirado do site www.baciadasalmas.com

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Palavrantiga

Me lembrei dessa, ai vai.



Todos Estão Surdos

Composição: Roberto Carlos / Erasmo Carlos

Desde o começo do mundo
Que o homem sonha com a paz
Ela está dentro dele mesmo
Ele tem a paz e não sabe
É só fechar os olhos e olhar pra dentro de si mesmo

Tanta gente se esqueceu
Que a verdade não mudou
Quando a paz foi ensinada
Pouca gente escutou
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
O amor é importante
Vem dizer tudo de novo

Outro dia, um cabeludo falou:
“Não importam os motivos da guerra
A paz ainda é mais importante que eles.”
Esta frase vive nos cabelos encaracolados
Das cucas maravilhosas
Mas se perdeu no labirinto
Dos pensamentos poluídos pela falta de amor.
Muita gente não ouviu porque não quis ouvir
Eles estão surdos!

Tanta gente se esqueceu
Que o amor só traz o bem
Que a covardia é surda
E só ouve o que convém
Mas meu Amigo volte logo
Vem olhar pelo meu povo
O amor é importante
Vem dizer tudo de novo

Um dia o ar se encheu de amor
E em todo o seu esplendor as vozes cantaram.
Seu canto ecoou pelos campos
Subiu as montanhas e chegou ao universo
E uma estrela brilhou mostrando o caminho
“Glória a Deus nas alturas
E paz na Terra aos homens de boa vontade”

Tanta gente se afastou
Do caminho que é de luz
Pouca gente se lembrou
Da mensagem que há na cruz
Meu Amigo volte logo
Venha ensinar meu povo
Que o amor é importante
Vem dizer tudo de novo


A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

Outras frequências

Mais uma fantástica musica do Engenheiros do Hawaii.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

Banquete no deserto

O primeiro mal-entendido pode nascer da opinião de que a oração é algo de alienante, que nos afasta da vida do mundo. Porém a oração se nutre de solidão, não de isolamento, e o silêncio contemplativo é denso de palavras e de presenças. Por essa razão rejeito o verbo “retirar-me”. Ao deserto não se retira, como se fosse uma concha, ao abrigo das dificuldades que são de todos. No deserto se entra, se caminha, se imerge, assumindo a história e os problemas de todos – engajando-se e lutando contra as alienações deste nosso mundo, como sempre fiz e sempre farei.

Posso dizer que até hoje tenho buscado testemunhar que a contestação não é incompatível com a oração; de agora em diante quero testemunhar que a oração é compatível com a contestação; a oração é, na verdade, a própria essência da contestação. Porém se trata de uma antítese fictícia, seja no que me diz respeito seja no que diz respeito a esses valores em si mesmos. Porque há uma contestação contemplativa, que é a própria contestação de Cristo, nos confrontos com o seu mundo e com a sua “igreja”. A oração, na realidade, é a contestação mais profunda neste nosso mundo utilitário, em que coloca em crise não só as formas de opressão em que se manifesta mas também o modelo antropológico-cultural que exprime: um modelo essencialmente utilitarista, privado daqueles espaços de fantasia, de poesia e de gratuidade sob os quais se insere precisamente a oração.

Há muitos modos de se sentir e de se viver o deserto, segundo a espiritualidade de cada um. Para mim o deserto é acima de tudo o lugar feliz do encontro com Deus e com os homens. E, acima de qualquer outra coisa, quero dar testemunho daquela alegria, que ninguém pode subtrair-nos, deixada pelo senhor Jesus por ocasião da sua ceia. Trata-se de um testemunho que – embora radicado na sofrida participação dos problemas do mundo – não penso seja fora de tempo ou de lugar, mesmo sendo nossa história assim atormentada; na verdade, precisamente por essa razão. Enquanto permanecemos cozendo no fogo brando da angústia, numa complacência narcisística que revela a estagnação da história e a incapacidade de sairmos em busca de novos climas culturais, o que é necessário, mais do que um sofrimento romântico, é um sinal de alegria e de esperança que nos demonstre que, mesmo hoje, pode-se encontrar em Deus a pacificação e a harmonia do homem. É isso: meu deserto quer ser a expressão não da desolação de um mundo que se esfacela, mas o impulso, a alegria, a esperança, a harmonia – porque não, a profecia – de um mundo novo que está às portas e que será mais próximo do que aqueles “novos céu e nova terra” prometidos pelo Apocalipse: um mundo que tem necessidade de entusiasmo e de engajamento mas também de solidão e de silêncio, na medida em que esses permaneçam participativos e engajados.

Meu desejo, por fim, é de demitologizar a figura do eremita; porque acredito que a “normalidade” é um grande valor, a ser perseguido em todas as situações, e que a renúncia a modos de vida excepcionais pode ser também uma forma da pobreza e da simplicidade evangélicas. Um eremita não é um misantropo do qual ninguém pode se aproximar; não é tampouco necessariamente um recluso que não possa, de vez em quando, deslocar-se e encontrar-se com as pessoas; que não possa, acima de tudo, receber quem venha compartilhar algumas horas da sua solidão e trazer-lhe a dádiva da sua amizade; mesmo porque, na verdade, a hospitalidade tem sido sempre um dom monástico. O eremita é simplesmente alguém que escolhe viver sozinho porque na solidão tem o seu momento privilegiado de encontro.

Amigos caríssimos, isto não é uma despedida, só se for para um modo mais próximo e frequente de presença. Porém, mesmo que as ocasiões de nos vermos se tornem mais raras, levo-os todos comigo e me encontrarei com vocês cotidianamente na eucaristia: ao calar do dia, na hora inquieta e dulcíssima do encontro de Emaús, em que temeríamos a noite se o Senhor não estivesse ali, com seu pão. Nessa hora íntima da ceia vocês são todos convidados à minha mesa, e ali os encontrarei a todos, e os nomearei um a um. Vocês talvez não façam ideia do quanto deve amar os homens aquele que se dispõe a estabelecer espaços somente materiais de distância entre ele mesmo e os outros. É neste amor terno e profundo que não me despeço mas vou ao encontro de vocês e os abraço, um a um, do meu posto na solidão, habitada por Deus e por vocês.

A escritora Adriana Zarri (1919-2010),
a primeira teóloga italiana,
na carta que escreveu aos amigos explicando sua decisão de adotar a vida de eremita.

A Igreja e a “igreja”

A Igreja não existe apenas por existir ou para si mesma, mas vive a partir da missão de viver o evangelho com paixão pela obra redentora do Cristo, que encarna na História humana e se solidariza com os fracos, consola os marginalizados, incomoda os poderosos e doa a própria vida em favor da salvação de todo os homens.

A sua Missão se faz com paixão, suor, lágrimas e sangue, pois Aquele que diz seguir trilhou seu caminho dando tudo que tinha, inclusive a própria vida! Ela tem os pés sujos com o pó da terra, porque anda pelos mais longínquos lugares promovendo a esperança do Reino. Vive já os valores da Nova Jerusalém, pois sabe muito bem que somente aqueles que morarão na cidade santa são os que vivem hoje como estivessem na “cidade de Deus”, lugar onde habitará a justiça (II Pedro 3:13).

Essa é a Igreja com “i” maiúsculo, que conhece o que é amar e sofrer, que sabe de Deus e O serve não apenas de palavras, mas com atos de amor em favor dos que padecem, seja por fome de pão, justiça ou evangelho. Inconformada com o mundo, vive permanentemente numa condição de renovação da mente.

Ela é a Noiva adornada preparada para o Cordeiro. É santa, porém humana, pois teve seu coração de pedra transplantado e colocado no lugar um coração de carne, o que a torna sensível a dor do mundo. É a Igreja de Deus (graças a Deus!), que acolhe, restaura e leva os seus membros a um estado de culto permanente ao Senhor. Igreja dependente da voz do Bom Pastor. Essa Igreja caminha na força e no poder do Espírito! Aleluia!

Em oposição a Igreja, existe a “igreja” com “i” minúsculo com sua antimissão. Essa, por se achar poderosa, boa e sã por conta de suas regras e leis, sente-se auto-suficiente, por isso não precisa de Jesus, pois o mesmo veio foi para os doentes e não para os que se acham bons…

Cheia de pompa, com seus bancos lustrosos e seus púlpitos transformados em palcos para líderes vaidosos embriagados por poder e com astros da música gospel . Embora fale de Jesus, pateticamente o deixa do lado de fora batendo na porta, assim como a igreja de Laodicéia. Mal sabe ela que é coitada, miserável, cega e nua e caso não volte ao primeiro amor, será vomitada pelo Senhor.

Sua insensibilidade a torna incapaz do exercício do amor para com o pobre, aflito e necessitado e não é capaz de ser voz para aqueles que não podem se defender. Por isso caminha com sua “piedade perversa” a passos largos para o inferno.

A missão da “igreja” com “i” minúsculo é viver em torno de seus programas estrategicamente planejados para entreter a sua clientela. Sua finalidade é fazer o freqüentador de suas reuniões sentir-se bem e não fazê-lo perceber que o chamado de Deus deve nos levar a sair de sua zona de conforto e a carregar sua cruz.

Por ter perdido a essência do evangelho, ela deixou de ser comunidade de pecadores redimidos para se tornar sinagoga de fariseus hipócritas, arrogantes e cheios de si. De longe, parece frondosa e cheia de frutos, mas de perto é estéril e sem vida como aquela inútil figueira condenada por Jesus. Nela, fé é um meio para se fazer dinheiro em nome de Deus. Um verdadeiro covil de ladrões!

De qual delas você quer fazer parte?

No Senhor,

Caio Marçal – Missionário e Secretário de Mobilização da Rede FALE – www.fale.org.br

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Texto retirado de Missão Total´s Blogsite

Uma igreja para quem não gosta de igreja


Já reparou que a gente costuma sentar no mesmo local todos os domingos na igreja? Sem pensar, quando entramos, já vamos direto para lá e pior, às vezes “achamos” que o lugar é nosso.

A maioria das pessoas não gosta de mudanças e é por isso que elas incomodam. Gostamos de ficar nos nosso conforto, mas crescimento requer mudanças.

Vira e mexe alguém me pergunta por que esta geração não se contenta com o que está na igreja, por que sempre estamos querendo mudar as coisas.

Não somos estátuas e nem somos feitos em séries, estamos o tempo todo em movimento, gerando novas culturas, novas necessidades e novos questionamentos.

Sinto que às vezes a igreja está dando respostas para uma pergunta que fizemos há 15 anos. O problema é que não nos lembramos mais dela porque já fizemos centenas de outras perguntas depois.

Há uns 10 anos fui em uma igreja na Califórnia que não tinha templo, eles se reuniam em escolas, já que aos domingos as escolas estão fechadas. Ao entrar, vi lá na frente uma faixa: “Uma igreja para quem não gosta de igreja”. Fiquei abismado com a proposta na hora, mas hoje eu entendo.

Fomos fazer uma série com Liturgia 2.0 (procurar em outros textos) para pessoas que não gostam de igreja, e uma das pessoas que estavam construindo essa série comigo me perguntou: “Não seria melhor a gente investir naqueles que gostam de igreja?”

Pensei: “Não é isso que fazemos todos os domingos?”.

Hoje eu sei o porquê busco mudar e continuar reformando a nossa igreja: porque eu seria um daqueles que gostaria muito de Jesus e do evangelho, mas não me adaptaria com a igreja.

Andy Stanley certa vez falou que “devemos casar com nossa missão e namorar a metodologia”.

O problema é que fazemos o contrário, casamos com a “forma”, porque não gostamos de mudanças, e acabamos enfraquecendo os nossos laços com a missão da igreja.

Eu diria que devemos casar com a missão e ficar com a forma, só usá-la e, quando ela não estiver sendo mais útil para a missão, devemos jogá-la fora.

O que não muda é a missão, é o nosso Deus. A forma tem que estar em mudança o tempo todo. Assim, as pessoas não vão recusar a essência (Deus) em detrimento da forma (liturgia).

Acho que é por isso sou um cara incomodado que as vezes incomoda, porque fico sempre pensando: “quantos Marcos Botelhos, Andrés, Ricardos estão aí fora sem ter experimentado o que é a igreja na essência, a vida no corpo de Cristo, e estão batendo cabeça sozinhos?”


Marcos Botelho

A ultima noticia da Graça


Era o último dia do mundo, um fim de tarde, por volta das 19 horas Brasília.

Bento estava na igreja, na reunião de oração que costumava ir quase toda quarta-feira, exceto os dias em que a TV aberta transmitia o jogo do time para o qual torcia.

Um grande estrondo tomou conta de toda a terra, era a volta de Jesus Cristo. Muitas coisas aconteceram, mas gostaria de contar sobre a última notícia de graça do Senhor.

O teto daquela pequena igreja foi se abrindo, assim como todos os tetos das casas da pequena cidade de Juiutim.

Todos podiam ver Jesus descendo lentamente, de braços abertos, tipo o Cristo Redentor do Rio de Janeiro.

Bento nunca tinha ido para o Rio, mas reconheceu a imagem que tinha visto na TV.

Muitos da cidade começaram a gritar em desespero frente à incerteza do que ia acontecer, mas Bento continuava na mesma, sentado no banco de madeira olhando para cima e pensando: Que benção Jesus vir bem no dia que a TV não está transmitindo o jogo do meu time, estar na igreja é o melhor lugar para Ele me ver.

Foi quando tudo parou, principalmente aquele barulho intenso, Jesus declara em alta voz: Não precisa mais ter choro, nem dor, tão pouco desespero. Eu venci a morte e vou salvar a todos! Todos!!!

De repente o choro que vinha do bar cessou, e alguns gritos de alegria e celebração começaram a surgir. E aos poucos os gritos de júbilo começaram a se espalhar, entre os bêbados do bar, passando por alguns bóias frias que estavam voltando do trabalho, chegando até em algumas meretrizes que já estavam chegando em seu ponto para o turno da noite.

Em alguns minutos a celebração já atingia a todos da pequena cidade de Juiutim, menos em um lugar e principalmente uma pessoa: Bento lá na igreja.

Foi quando ele gritou: Como assim Senhor? Vai mudar as suas próprias regras na ultima hora?

Jesus se aproxima e desce até o banco da frente para conversar com Bento.

- Por que está tão bravo? Perguntou Jesus.

- Não é que to bravo, mas não é justo! Não é certo o Senhor mudar tudo agora.

Jesus com amor pergunta:

- Você não deveria estar celebrando com os outros? Afinal de contas eu te levarei comigo para morar no céu, Bento.

- Mas eu estou feliz. É que faz muitos anos que eu vivo para ti e eles não, deixei a bebida, a vida promíscua e venho a tua casa constantemente esperando ansioso por este dia. Eles nunca deram ouvidos para o que dizíamos sobre o Senhor.

Jesus faz um olhar de curioso e pergunta:

- Você fala como se tivesse sido ruim ter saído do pecado. A vida cristã que você viveu já não é um prêmio? Eu ter te libertado disso já não foi suficiente? Ou foi um peso para você?

E Jesus continuou, já meio bravo:

- E mais Bento, você já não esta ganhando a vida eterna, não posso ser gracioso com quem eu quiser? A salvação foi conquistada na cruz, o meu Pai não pode dar para quem ele quiser de graça?

Bento cabisbaixo e muito sem graça, pede desculpas por contestar o Senhor por sua decisão e por ter ficado triste por não ter percebido o grande amor de Deus.

Jesus abraça Bento e sussurra em seu ouvido:

- Posso te contar um segredo?

- Lógico que sim. – Respondeu Bento com olhos arregalados!

Foi quando Jesus deu a última notícia de graça para aquele religioso:

- Bento, se eu fosse salvar usando o critério que você estava pensando, você não seria salvo, você só esta entrando no meu reino pela segunda chamada, assim como todos aqueles outros!

Bento se levanta e sai correndo para se juntar aos outros gritando: Louvado seja Jesus Cristo, pois sua graça me salvou!!!

[Não sou universalista, este conto é apenas para pensarmos sobre as ciladas do nosso coração quanto ao céu, inferno e salvação pela graça]


Marcos Botelho

terça-feira, 14 de junho de 2011

Mais uma do Marcos e agora junto com boa música

Esse eh da série Colagem.



A Deus Somente A Gloria,
Ricardo A. da Silva

O fim das utopias

Extrato de respostas durante o debate que se seguiu à palestra Depois de 68 e 89: o mundo após a crise das utopias, pronunciada pelo professor Massimo Borghesi no dia 02 de outubro de 2008, no IICS (Instituto Internacional de Ciências Sociais) de São Paulo. (Tradução de Juliana Di Lollo, licenciada em Letras pela FFLCH-USP).


PERGUNTA
Parece-me evidente que, se Che Guevara acabou assumindo um papel, digamos, “Cristo-símile”, evidentemente foi porque o verdadeiro Cristo não foi mostrado na sua integralidade. Houve, portanto, uma deficiência dos cristãos nessa tarefa. Qual é a nossa responsabilidade, e quais foram as nossas falhas, como professores universitários e como cristãos, para que a situação chegasse ao ponto a que chegou? E o que pode a Universidade fazer como estrutura para resgatar valores para o século XXI, que não serão apenas do século XXI, mas de todos os séculos futuros?

BORGHESI
Concordo inteiramente com o que você dizia, ou seja, que se o Che Guevara assumiu o lugar de Cristo para milhares de jovens, foi porque o verdadeiro Cristo, na sua figura e na sua realidade, já não estava claro. Aliás, em muitos casos estava totalmente ausente… Poder-se-ia escrever um livro sobre a passagem de Cristo a Guevara, como Guevara tomou o lugar de Cristo no coração de milhares de rapazes na América Latina, levando-os depois às armas, levando-os a um destino terrível.

Li recentemente um livro de um teólogo bastante famoso que continua a dizer que Che Guevara convidava a amar os homens. Ma Santo Dio! Insomma… Quanta ingenuidade há nisso! Guevara queria ser um militante marxista-leninista perfeitamente ortodoxo, era extremamente duro na observância das regras da militância marxista, a ponto de ser cruel. Era duro consigo e impiedoso com os que estavam sob o seu comando. Para dizer o que dizia esse teólogo, é preciso sofrer de uma miopia absoluta!

E esse é o drama por trás do que você dizia: que a Igreja não foi capaz de propor Cristo como o verdadeiro tipo de homem e de ideal na integralidade dos fatores da vida, não para “o lado de lá”, mas para “o lado de cá”. Para a vida real, para a vida social…, para a solução dos problemas reais.

Em relação à Universidade, você perguntava – como docente cristão – qual é a nossa responsabilidade. Ela consiste, acima de tudo, em comunicar um ideal, não uma utopia. Porque nestes anos muitos confundiram os ideais com as utopias. Os ideais, já vimos, encarnam-se na existência do dia-a-dia, realizam-se no dia-a-dia, sem jamais atingirem a perfeição na sua realização histórica. Isto, porém, nada subtrai à energia e à paixão com que se procura comunicá-los e traduzi-los no concreto da existência, até os mínimos detalhes. Até chegarem a traduzir-se em paixão que se empenha no social e no político, paixão por uma mudança efetiva, para que a sociedade possa construir condições para o aprimoramento real da vida dos homens, sobretudo daqueles que têm mais necessidades.

Isto não é um “pauperismo”, diga-se de passagem; esta é a solidariedade que surge da fé como uma dinâmica própria. O marxismo apropriou-se da categoria de “pobre”, mas até prova em contrário a atenção aos pobres sempre foi uma expressão da dinâmica cristã da existência. Não nos esqueçamos disso, porque em caso contrário daremos ao marxismo uma dimensão que na verdade nasce da fé cristã. É conceder demais ao marxismo dizer que o problema dos pobres diz respeito só aos marxistas. A paixão pela justiça e pela realidade nasce propriamente de uma fé cristã encarnada – mesmo lembrando-nos de que os pobres sempre existirão, como diz Cristo, o que significa que a utopia nunca se realizará. Porque o que está em jogo é a condivisão da realidade da vida, de pessoa para pessoa, não a realização de um reino perfeito.

Será tão difícil assim distinguir entre os ideais que se declinam na história, por um lado, e as utopias pelo outro? Essa foi a grande confusão cultural destes anos: dizer que os ideais cristãos, que eram ideais de solidariedade e de justiça, nascidos da graça da fé e não de um projeto social, não podem nunca traduzir-se em um reino perfeito. Ora, o cristianismo realmente não propõe nenhuma teologia política! A teologia política é o sonho de que a política seja a realização da teologia; mas nenhuma política, nenhuma!, pode jamais realizar o teológico! Simplesmente não é possível! Daí não se deduz, porém, nem o desinteresse perante o sofrimento alheio, nem o fim dos ideais cristãos.

PERGUNTA
O filósofo Jacques Maritain propunha o Humanismo Integral, o “humanismo cristão”, como uma resposta frente ao marxismo. O senhor acredita, depois de o mundo ter passado pelo marxismo, depois de passar pelo capitalismo, que esse humanismo cristão não seria algo capaz de tapar as lacunas que apontava?

BORGHESI
Penso que é antes a fé que tem de encarnar-se, e que ela traz em si uma paixão integral por tudo o que é humano, e não censura nenhum fator do humano, nem os belos, nem os feios. Que ela tudo acolhe e tudo redime, não por obra das mãos do cristão – um mísero pecador como todos -, mas por obra de um Outro que através dele se exprime e se realiza na história. Por isso, diria que o cristianismo, quando é a consciência de Cristo que opera através de você, se exprime como paixão pela integralidade do humano.

“Integralidade do humano” quer dizer das necessidades mais simples às mais complexas; quer dizer a cultura, a política, as condições de vida, a família etc. etc. Quer dizer a relação entre homem e mulher, a relação com o estudo. Tudo vem revestido dessa presença que muda o coração dos homens, e provoca neles a esperança de uma mudança que se transforma em experiência. Há esperança na mudança, porque é uma mudança real, que acontece. E a vida que muda transforma-se no testemunho de um novo modo de agir dentro da sociedade, de uma modalidade nova de ser dentro do mundo.

Não é uma utopia, é o testemunho de humanidade renovada o que muda o mundo. A pequena Teresa de Calcutá era uma nulidade do ponto de vista político, mas aquela pequena mulher mudou a vida de centenas de milhares de pessoas. Sinal de esperança para os deserdados da terra, figura moral que deu a muitos a esperança de que, neste mundo de deserto, se pode viver com uma humanidade diferente, impregnada de ideal até às vísceras da carne.


retirado do site www.edrenekivtz.com

Meu irmão Kierkegaard

QUANDO VOCÊ estiver lendo esta coluna, estarei em Copenhague, Dinamarca, terra do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), pai do existencialismo. Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.

O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o “ennui” (angústia, tédio) e o “divertissement” (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano).

O filósofo dinamarquês afirma que nós somos “feitos de angústia” devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.
A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori.

Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como “condenação à liberdade”, justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.

O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres

Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas “leis”: o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.
Somos um nada que ama.

A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa “verdade”, ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica.

Deste “solo da existência” (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro “A Repetição”, é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.
É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer.

Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida “correta” (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando “saltamos na fé”, sem garantias de salvação. Mas existe também o “abismo do amor”.

Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.

Seu livro “As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos” (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.

A ideia que abre o livro é que o amor “só se conhece pelos frutos”. Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua “visibilidade” apenas prática.

Angústia e amor são “virtudes práticas” que demandam coragem.

Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.

Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como “lei da alma”), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.
Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:

“Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor… Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber.”

Infelizes os que nunca amaram. Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância.


Luis Felipe Pondê
Folha de S.Paulo, Ilustrada, 13 de junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Em clima de Dias dos Namorados

Apesar de ser solteiro aqui vai o primeiro post que roubo do Marcos Botelho para o blog, rs.



A Deus Somente A Gloria,
Ricardo A. da Silva

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Fim de tarde no portão

Uma otima canção feita em cima da Parabola do Filho Pródigo.



A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

As chaves de Deus

Todo pastor, mais cedo ou mais tarde, enfrenta as demandas contraditórias de ser um profissional e estar no ministério. Isso porque essas duas realidades podem entrar em conflito. Um profissional tem uma agenda a cumprir, credenciais para manter, uma escada profissional a percorrer. Detalhes inadiáveis se sobrepõem à solitude; o tempo necessário à relação com Deus pode ser subtraído por urgências administrativas. A rotina de serviço dá lugar a uma postura de gestor. Assim, uma vida de simplicidade e cuidado de almas é colocada de lado pela ambição e expectativa.

Assim como médicos, advogados e outros profissionais hoje em dia, pastores sentem que suas condições de trabalho estão em conflito com o seu chamado. O crescimento dessa frustração causa a perda da paz e da alegria. Mas, as coisas não precisam ser assim. O próprio Jesus, bem como tantos de seus seguidores ao longo dos tempos, encontraram sua força no servir. O único Deus a quem servimos colocou em nossas mãos as chaves para o Reino, conforme Mateus 16.19. Apesar dos séculos de controvérsias eclesiásticas sobre o significado desta passagem, precisamos entender simplesmente que a nossa confiança em Jesus como o único a quem “foi dada toda a autoridade nos céus e na terra” (Mateus 28.18) nos permite ter acesso às riquezas de seu Reino. Isto nos torna possível realizar nosso trabalho e viver nossas vidas na força, alegria e paz de Cristo.

Possuir as chaves significa primeiramente “aproveitar o acesso”. Imagine um homem que mantém cuidadosamente suas portas fechadas e suas chaves em mãos, mas que nunca entrou em sua casa! Ter acesso ao Reino e viver nele é o que importa. Numa tradução livre, outra célebre passagem do evangelho de Mateus pode ser entendida assim: “Busque mais do que tudo, agir conforme o Reino de Deus e possuir seu tipo de bondade, e todas as outras coisas que você necessitar lhe serão acrescentadas”. Paulo lembrou aos romanos: “Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?”.

Mas se a abundância está aqui, suficiente para derrotar as “portas do inferno”, porque não nos aproveitamos dela? Precisamos de uma chave para as chaves. A abundância de Deus não é recebida passivamente e não nos é outorgada por acaso. A abundância de Deus é reivindicada e colocada em ação por nossa busca inteligente e ação. Precisamos agir em conjunto ao mover da vida do Reino de Deus que vem através do nosso relacionamento com Jesus.

Não podemos fazer isso, é claro, simplesmente sozinhos. Mas precisamos agir. Graça contrasta-se com merecimento, mas não com esforço. Um esforço decisivo, sustentado e bem dirigido é o caminho de acesso às chaves do Reino e a uma vida de força e paz no ministério.


Dallas Willard

Em clima de boas musicas

Agora vai uma do programa Plataforma.



Abraços,
Ricardo A. da Silva

Dom Quixote

Me identifico.



Abraços,
Ricardo A. da Silva

Entre demandas e valores

Nunca na história da humanidade uma geração esteve tão cercada por demandas como esta à qual pertencemos. Vivemos imersos numa cultura geradora de demandas pessoais, familiares, profissionais, econômicas, sociais e ecológicas, entre outras. Parte delas tem sido gerada e propagada pela mídia de uma sociedade de consumo. Mas também têm sido produzidas e assimiladas através de nossas próprias redes de relacionamentos, nas quais, constantemente, estabelecemos como padrão de referência aquilo que o nosso amigo, vizinho ou parente diz ser, possuir ou fazer.

No passado, era muito mais fácil criar um filho, ter um corpo considerado saudável ou sentir-se realizado profissionalmente – até ter um padrão de vida tido como bom era menos complicado. Atualmente, para criar um filho, necessitamos de coisas que jamais passaram pela mente de nossos pais ou avós. Hoje, só é saudável quem passa horas e horas em academias, ou malha até o limite da resistência. Só pode ser considerado um bom profissional aquele que acumula títulos acadêmicos, domina idiomas e está disposto a sacrificar tudo pela carreira. E ter um bom padrão de vida significa necessariamente possuir bens considerados, até pouco tempo, como totalmente supérfluos.

O grande problema de estarmos inseridos nessa cultura da demanda é que, gradativamente, perdemos a noção da influência que ela exerce sobre nós e dos caminhos que nos leva a percorrer. Passamos a viver em função das demandas que emergem diante de nós e somos pressionados a seguir rumos que nos são impostos (ou a que nos impomos) sem refletir se eles nos levarão para onde um dia planejamos chegar. Assim, nossas vidas se transformam numa grande maratona, só que no ritmo de uma corrida de 100 metros rasos.

Podemos encontrar as consequências disso por todo lado. É fácil encontrarmos gente com agendas lotadas, valores confusos, sintomas crônicos de estresse, casamentos arrebentados, filhos ansiosos e sem limites, vida financeira em desequilíbrio e profundos sentimentos de frustração. Esse tipo de pessoa tem se tornado tão comum em nossa sociedade que corremos o risco de assimilar tal perfil como normal – e concluir que este é o único padrão possível numa cultura geradora de demandas.

No entanto, como discípulos de Jesus, não podemos – e nem devemos –, acreditar que tal é o padrão normal a ser vivido. Na verdade, imersos pela cultura das demandas, precisamos tomar uma decisão interior – afinal, quem determinará os rumos de nossas vidas? As demandas da cultura que nos envolve ou os valores de Deus em nossos corações? Nossa resposta não apenas determinará o futuro de nossas vidas, como também revelará quem de fato é nossa fonte primária de orientação.

Mas a decisão por fazer dos valores de Deus a nossa fonte primária de orientação não é tão simples como parece. Decisão assim impõe sobre nós a necessidade de uma verdadeira reorganização de prioridades em nossas vidas. Primeiramente, precisamos de um realinhamento entre os valores de Deus e os valores de nossos corações. Muitas pessoas frequentam igrejas, leem a Bíblia, conhecem seus principais personagens e histórias e até fazem orações diariamente. No entanto, os valores do Reino de Deus não estão em seus corações. Sua relação com a espiritualidade cristã é de mera informação, e não de transformação; e seus corações continuam envolvidos e encharcados pelos valores determinados pela cultura.

Em segundo lugar, após o realinhamento dos valores de Deus aos valores de nossos corações, precisamos também de um novo equilíbrio entre nossos corações e nossas agendas. Podemos afirmar que nossa família é prioridade em nossas vidas, mas nossas agendas não condizem com tal afirmação. Podemos dizer que nossa saúde física e emocional é fundamental em nossa caminhada, mas, novamente, nossa agenda diz o contrário. Logo, se queremos experimentar os valores de Deus como fonte primária de orientação em nossas vidas, precisamos fazer com que eles alcancem e influenciem nossas agendas.

Desta forma, como homens e mulheres imersos numa cultura de demandas, podemos viver uma verdadeira contracultura que tem como centro dinamizador os valores de Deus para a vida em todas as suas dimensões. Como consequência, nossas agendas não estarão mais condicionadas às demandas emergentes, mas sim, aos valores estabelecidos pelo Senhor – valores estes que nos conduzem a um projeto de vida marcado pela sabedoria do Criador, e não pela loucura da cultura gerada pela obstinação de suas criaturas.


Ricardo Agreste

Simulacros


O que pensamos, do que temos medo, o que amamos, nossas crenças não podem evidenciar-se. Não totalmente, menos ainda de uma vez por todas. É preciso negociar o que de nós pode participar da vida pública e o que deve permanecer guardado como reserva existencial.

É possível existir verdade demais em uma alma para que ela se exponha e com isso comprometa sua sobrevivência. É preciso economizar as exibições.

O contrário é também verdadeiro. Neste jogo ambivalente, muito pouca verdade em uma alma, ou uma verdade que faz seu portador pequeno demais, reivindica grandes mentiras em um desempenho.

Verdade demais ou de menos, mas todos têm algo a escamotear. A isso chamamos de interioridade.

Aquela mulher tem envolvimentos questionáveis. Todos já sabem e ninguém toca no assunto. Não convém ir às últimas conseqüências. Talvez porque lhes sejam muito bons seus favores sexuais, ou muito útil sua candidatura iminente a próxima maldita. Ela segue sua rotina de culpa e apreensão. Qualquer dia desses o seu mundo desmorona.

Jesus faz escolhas sintomáticas. Sensível demais com quem ninguém se importa. Gente já assentada nos espaços organizados para que a vida de todos prossiga sem perturbação. Mulheres, doentes, pecadores, malditos, por eles demonstra afetos perigosos. Sua linguagem o classifica entre revolucionários. Fala de um Reino para pobres e incita à busca de justiça. Mas o que é mais grave, parece ficar à vontade demais com os proscritos, demonstra com eles sentir-se em casa. Veja como olha para essa gente. Veja como bebe, come e ri. Entre os demais mestres há uma intuição desesperada de que ele é uma ameaça, de que suas intenções são profanas. De que esconde o que a todos escandalizaria.

Fariseus e mestres da Lei, estes despendem enorme energia no jogo. Dos três, Jesus, a mulher e os guardiões da religião, estes são os mais miseráveis. Todos padecem, mas ninguém precisa tanto esconder quanto eles. Ninguém lustra com tanto rigor e piedade o que aos outros aparece. Jesus anda revoltado com o seu procedimento. Já os chamou de “sepulcros caiados”, hipócritas.

E o trágico acontece. A mulher foi flagrada. O que pode ser mais proibido no jogo da moral que se deixar flagrar? Surpreendida em condições indisfarçáveis, seu sexo condenável de tão ardente, ou seria, ardente de tão condenável, acende escrúpulos e ardis. Como são perspicazes os escandalizados. O que mais desnudaria o perigoso mestre nazareno que a nudez de uma pecadora? Pois castrar o erótico é o que mais se aproxima de reprimir a crítica.

Jesus está cercado de gente quando o ruído raivoso interrompe seus ensinamentos. Homens de passos decididos, olhares fulminantes e um trapo humano nas mãos. Na boca, o rigor da lei; já no chão, a vergonha que despiu de humanidade a mulher; em seus corações, armadilhas.

O texto frio da lei é fluente no simulacro da moral. A letra grafada e morta não vasculha corações nem pergunta por afetos, não ilumina interioridades nem chora misérias, mata. Pronuncia-se a Lei com reverência, apedreja-se pessoas, portanto, com fervor. A lei diz para apedrejar e você, o que diz? Quem está ali conclui rápido a derrocada incontornável do mestre. Não dá para driblar a tensão. E todos já sabem que escolha ele fará.

Sua resposta é uma sátira. Um deboche. Uma charge. Porque todo assunto muito sério é uma piada. Jesus curva-se em desdém à gravidade da proposição e escreve com o dedo no chão. Galhofa. Sua escrita evade o ambiente e ri da austeridade dos zeladores da moral.

Neste instante há uma superposição de cenas. Fariseus e mestres da dura escrita da Lei com cenhos franzidos, pedras nas mãos e um jogo de poder funesto na alma, encena o primeiro plano. Ausentando-se para o segundo plano, Jesus, de cócoras, lúdico, escrevendo com o dedo no chão. Sua escrita brinca e dança na areia. Insuperável escolha. Quem olha não os tem no mesmo foco. Se o rigor oportuno dos fariseus é o que amamos, a imagem satírica de Jesus embaça, quase desaparece. Se a cena despretensiosa e estética do mestre, que rabisca desenvolto no chão, é o que nos magnetiza, então os aflitos e tensos fariseus esvanecem ao fundo. O Cristo que risca trivialidades no chão faz poesia e chama de triste ficção o flagrante que mente a vida e anuncia a morte.

Mas doutrinadores entendem de emboscadas morais e tocaias linguísticas, não de escritas leves e despretensiosas. A mesma poesia que salva Jesus da sanha por doutrina e dominação é desespero para os demais. Ah, se ele pudesse ficar ao chão, rabiscando, descolado daquele mundo, desligado daquela lógica! Eles insistem na inquisição e na morte da mulher. Cristo se ergue, dedos sujos de tanto que brincou no chão, às inquirições questiona, pergunta às interrogações e flagra os flagrantes. Quem não tiver pecado atire a primeira pedra. Quem não se flagrar em segredos leve a sério a sua religião. Descobrir-se protagonista da grande piada é a pior vergonha. Um a um, todos se retiram.

Enquanto isso, Jesus mantém-se curvado e entregue aos rabiscos na areia. É assim que se escreve, com a fluidez de quem o faz sem a pretensão poderosa de se perpetuar. O resto é doutrina, é lei, é flagrante de morte. Ele dá as costas à escrita pretensiosa de ocupar o mundo, como se o mundo fosse o que aparece. Escreve no fugidio pó o traço da misericórdia. A escrita na areia que o vento leva é tão livre que torna aquele ambiente insustentável para os rígidos escribas. Apenas quem escreve conteúdos para serem esquecidos está apto a desenhar o belo e a liberdade. Apenas os riscos poéticos, espalhados no chão e que logo serão lançados pelo vento no imponderável horizonte, somente eles libertam os pecadores de seus cruéis flagrantes.

Não há mais ninguém ali, além dos dois. Estão livres, por enquanto. A mulher, do apedrejamento. Jesus, de mais uma arapuca. Mas os fariseus e mestres da lei, estes foram condenados a manterem a todo custo o falso brilho de sua aparência.

A mulher volta à vida. Jesus fica um pouco mais por ali, escrevendo na areia e saboreando, com um breve riso nos lábios, a sobrevida.

Até que em um dia desses, sua poesia se torne um crime e sua liberdade, uma cruz.


Elienai Cabral Junior
retirado do blog elienaijr.wordpress.com

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Um laicismo equivocado

Iranianas choram por conta da decisão da FIFA pela preservação de um
espaço público laico e democrático

Foi com pesar que soube da notícia de que a seleção iraniana feminina de futebol havia sido desclassificada das eliminatórias para a próxima edição dos jogos olímpicos, que acontecerão em Londres, em 2012. E o mérito não é o futebol desta equipe, que nunca vi em campo. A eliminação é decorrente do fato de elas terem entrado em jogo, contra a seleção jordaniana, cobrindo suas cabeças com o véu (vestimenta mais do que conhecida, e comum na cultura dos países de maioria muçulmana).

A FIFA, entidade máxima do futebol mundial (a despeito de todos os casos de corrupção que a envolveram nestas últimas semanas), estabeleceu protocolo para que nos jogos de futebol sejam proibidas quaisquer manifestações de caráter ideológico, pessoal, comercial e, como se vê, religioso.

Discussão semelhante, a respeito de manifestações religiosas, surgiu na Copa de 2010, por conta de críticas a jogadores que, em suas entrevistas ou em comemorações de gols, faziam vistosas exibições de textos com referências a figura de Jesus Cristo, ou declarações em que enfatizavam seus agradecimentos a Deus.

Esta busca por um terreno laico para o exercício do esporte, como algumas autoridades do mundo da bola, principalmente europeus, tem procurado afirmar, parece estar em um âmbito bastante equivocado. Eu poderia dizer até, perigoso.

Sempre fui crítico deste tipo de política de contenção de manifestações. No primeiro momento em que surgiram as críticas aos jogadores cristãos a respeito de seus proselitismos dentro das quatro linhas, sempre concordei que qualquer exagero deveria ser discutido e trabalhado em outras esferas que não o da proibição pura e simples. O futebol, como principal esporte mundial, envolve diversas identidades culturais, inclusive religiosas. Portanto, sempre entendi que atitudes sensatas deveriam trabalhar o esporte como espaço democrático de manifestação de idéias e identidades, sob a égide da tolerância e do diálogo.

Agora, a proibição da seleção feminina iraniana de participar das próximas olímpiadas, por conta do uso do véu, é evidência maior de que, não apenas a FIFA não se dispõe à construção de um diálogo internacional a respeito das diferentes identidades culturais, como demonstra que sua decisão bebe da mesma fonte das políticas de intolerância secular que ascendem em um número significativo de países europeus, baseadas no discurso de que o espaço público laico deve ser preservado de qualquer interferência de fundo religioso, e que todos os cidadãos, a despeito de suas crenças e valores, deve submeter-se em última instância à tutela do Estado nacional e isento de valores religiosos.

É necessário observar, porém, que tais políticas inserem-se em um contexto agudo de emergência de uma nova direita nacionalista, temerosa com o ingresso de contingentes de imigrantes, sobretudo vindos de países de predominância muçulmana - os mesmos países que, em época anteriores, foram sugadas por estes Estados europeus, antigos impérios coloniais que interferiram (e até hoje interferem) na soberania destes povos.

Em tempos de debates acalorados sobre a inclusão de novos atores sociais na cena política, de um necessário revigoramento das discussões a respeito do multiculturalismo, e de um novo ascenso do movimentos democráticos (no mundo árabe, e que já bate à porta dos países europeus), a política de intolerância à identidade religiosa só possibilita afirmar que o laicismo, como eixo organizacional do Estado e da sociedade contemporânea, necessita assumir um novo significado, pelo qual não seja capaz de construir (e nem mesmo de tangenciar) discursos de exclusão de identidades culturais, sobretudo religiosas.

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Sydnei Melo

O poder ilimitado

É a Onipotência do Calvário que revela a verdadeira natureza da Onipotência do ser infinito. A humildade do amor oferece a chave: é necessário pouco poder para se exibir, é necessário muito poder para apagar a si mesmo.

Deus é um poder ilimitado de apagamento de si. Deus é infinitamente rico. Mais rico em amor, não em haveres. [...] Riqueza em amor e pobreza são sinônimos.

Deus é soberanamente independente, portanto livre. Mas livre para ir até o fim do amor. O fim do amor é a renúncia à independência. No limite, é a morte.


François Varillon em l'Humilité de Dieu,
citado por Jean Delumeau em À Espera da Aurora, Ed. Loyola, p.111.

Aguardar, esperança...

AGUARDAR: é não se conformar às condições de injustiça e não reconhecer as forças daquilo que é factual, pois bem se sabe que alguma coisa melhor pode acontecer e algo diferente está por vir. Aguardar significa nunca se resignar, nem entregar-se a si mesmo. Poder aguardar - isto é uma arte da esperança. Paciência é a virtude da esperança. Aguardar significa viver em ansiosa atenção até a chegada da hora da consumação final.


Jürgen Moltmann

domingo, 5 de junho de 2011

Um novo paradigma de missão

“A filosofia do bufão é a filosofia que, em cada época, denuncia como duvidoso aquilo que parece ser inabalável. Declaramo-nos a favor da filosofia do bufão – aquela atitude de vigilância negativa frente a qualquer absoluto.”

Creio que vim de fábrica com o chip da filosofia do bufão. Antes mesmo de conhecer este pensamento do filósofo polonês Leszek Kolakowski sempre desconfiei do senso comum. Para quem porventura se preocupa comigo, advirto estar em boa companhia – também estou alinhado com o apóstolo Paulo: “examine tudo e retenha o que é bom”, pois “contra a verdade nada pode senão a verdade”.

Desta vez questiono o conceito de missão da igreja associado à grande comissão. Discordo dos que afirmam que a missão da igreja é apenas fazer discípulos. Primeiro porque a declaração de Jesus registrada em Mateus 28.18-20 é apenas uma das diversas referências bíblicas de onde podemos deduzir a missão da Igreja. Segundo, porque acredito que a teologia é a síntese das diversas referências bíblicas a respeito de um tema. E finalmente por considerar reducionista a equivalência da tarefa de fazer discípulos com a missão da igreja.


As referências bíblicas utilizadas para deduzir a missão da igreja são diversas, sendo as mais utilizadas as dos evangelistas, como por exemplo Mateus 28.18-20; Marcos 16.15; Lucas 24.46-48; João 20.21; Atos 1.8.

É fácil perceber que cada um destes textos possibilita um resultado diferente para o enunciado definidor da missão da igreja. O registro de Mateus possibilita a fórmula “fazer discípulos”, implicando necessariamente o ensino detalhado de todas as ordens de Jesus. Marcos indica a proclamação do evangelho como tarefa essencial, e nesse caso o conteúdo do kerigma é a boa notícia da chegada do reino de Deus. Lucas também sublinha a proclamação, mas o conteúdo do kerigma é menos abrangente, restrito à convocação ao arrependimento para perdão dos pecados. João abre um leque extraordinário quando afirma que a missão da igreja deve ser derivada da missão de Jesus – “assim como”, o que remete a declarações do tipo: “Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Marcos 10.45), ou ainda: “Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19.10), de onde poderíamos deduzir que a missão da igreja se sustentaria em três ações concomitantes: buscar, servir e salvar. Por fim, em Atos (1.8) o evangelista Lucas aponta na direção do testemunho a respeito da pessoa e obra de Jesus como aspecto essencial da missão.

Alguém poderia afirmar que em essência a missão da igreja é fazer discípulos, e para tanto deve buscar e servir o perdido, anunciando a boa notícia da chegada do reino de Deus, convocando ao arrependimento para a remissão dos pecados, testemunhando em todo lugar a respeito de Jesus, visando a salvação de todo o que crê. Esta compreensão, entretanto, é bem mais complexa do que a mera declaração “fazer discípulos”. A sugestão de que as variantes presentes nas diversas narrativas contém ou explicam o significado completo do “fazer discípulos” é em si uma interpretação do conjunto de referências de onde se pode deduzir a missão da igreja. Isto é, dizer que “fazer discípulos” significa de fato isso e aquilo é elaborar teologicamente juntando, como peças de um quebra-cabeça, citações daqui e dali, amarrando um conceito no outro de maneira a buscar um sentido mais completo a partir da soma das partes afins. Duas perguntas surgem subjacentes a esse exercício. A primeira quer saber quantas e quais são as peças do quebra-cabeça, isto é, quais referencias bíblicas devem ser coligidas. A segunda interroga a respeito do resultado final do quadro a ser montado, isto é, questiona se o nome do quadro é mesmo “fazer discípulos” ou se haveria possibilidade de organizar as peças de maneira a chegarmos em outro enunciado definidor da missão da igreja.

Uma leitura mais ampla da Bíblia Sagrada, disposta inclusive a buscar as referências do Antigo Testamento como elementos constitutivos da missão do Messias transferida para a igreja, nos levaria necessariamente a concluir duas coisas: a primeira é que existem outras tantas narrativas negligenciadas pelo senso comum dos que definem a missão da igreja, e a segunda é que incluídas e consideradas estas outras peças do quebra-cabeça o resultado final será não apenas diferente como também e principalmente muito mais abrangente do que a mera declaração “fazer discípulos”.

Consideremos, por exemplo, apenas mais três referências bíblicas: Mateus 5.13-16; Lucas 4.17-21 [Isaías 61.1-4]; e Efésios 1.16-22.

Estas três referências apenas já são suficientes para ampliar completamente a perspectiva de compreensão da missão da igreja. A narrativa do Sermão do Monte, onde Jesus identifica seus discípulos como sal da terra e luz do mundo, deduzindo estas funções da identidade dos discípulos descritas nas bem-aventuranças, amplia o horizonte de compreensão da missão, incluindo a necessária transformação ou no mínimo afetação da realidade conjuntural – a terra e o mundo – onde os discípulos estão presentes. A narrativa de Lucas, quando Jesus aplica para si mesmo a profecia de Isaías, inclui na ação e presença messiânica a liberdade dos cativos e oprimidos, dando margens a interpretações diversas, desde os que espiritualizam os termos para que se refiram apenas à escravidão e opressão espirituais, até os que compreendem esta escravidão e opressão como incluindo as dimensões sociais, econômicas e políticas [a mesma discussão ocorre na hora de interpretar aqueles que Mateus chama de “pobres de espírito” e Lucas apenas de “pobres” (Mateus 5.3; Lucas 6.20)].

O texto de Efésios mais se parece como uma elaboração que o apóstolo Paulo faz da narrativa de João: “assim como Pai me enviou eu também vos envio”, pois vincula o propósito de Deus para Jesus com a relação entre Jesus e a Igreja. O apóstolo afirma que o propósito final de Deus é fazer Jesus Senhor sobre todas as coisas, “acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro”, e para tanto não apenas “sujeitou todas as coisas a seus pés”, como também “constituiu Jesus como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos”. A igreja é o instrumento através do qual Jesus exerce sua autoridade sobre todas as coisas.

Ainda que exista certa divergência nos limites implicados, está claro que a presença e atuação de Jesus e sua Igreja no mundo extrapolam a relação pessoal do indivíduo com Deus. Considero reducionista a definição da missão da igreja que se esgota no esforço de chamar pessoas ao arrependimento para remissão dos pecados e ensinar a elas todas as coisas que Jesus mandou, que resume a fórmula “fazer discípulos”.

É verdade que alguns missiólogos se defendem dessa pecha de reducionistas. Utilizam basicamente dois argumentos. O primeiro popularizado na máxima “converta-se o homem e a sociedade se endireitará”, sugerindo que as implicações sociais, econômicas e políticas do evangelho não dizem respeito à missão da igreja, mas à atuação dos cristãos na sociedade. A igreja se preocupa em cumprir sua missão: “fazer discípulos”, e os discípulos se ocupam em transformar, na medida do possível, a sociedade.

O segundo argumento utilizado contra a acusação do reducionismo se baseia no princípio da evangelização por presença, que preconiza o testemunho silencioso, através da vida íntegra e do serviço, como necessários à conquista do direito de falar e fator facilitador do anúncio do evangelho. Este raciocínio mantém a dicotomia entre evangelização e responsabilidade social, dando primazia ao testemunho verbal do conteúdo do kerigma sobre os atos de justiça. Nessa perspectiva a igreja é vista como uma comunidade diaconal, mas o serviço cristão se presta a oportunizar e autenticar a pregação (verbal) do evangelho.

Mais uma vez fica patente que a mera citação de textos bíblicos é insuficiente para a definição da missão da igreja, sendo necessária uma elaboração teológica que promova o sentido unívoco das diversas narrativas. Nesse caso, teologia por teologia, opto por descartar aquela que conclui que a missão da igreja se resume a fazer discípulos que viverão na sociedade de modo digno para que o anúncio do evangelho seja possível e credibilizado.

Considero que as expressões “fazer discípulos” e missão da igreja apontam realidades distintas e não podem ser consideradas sinônimas. Estamos, portanto, diante de pelo menos dois paradigmas, um que resume a missão da igreja na expressão “fazer discípulos” (paradigma da Grande Comissão) e outro que considera a missão da igreja em termos mais abrangentes (paradigma da Missio Dei).

O paradigma da Grande Comissão segue mais ou menos o seguinte esquema: (1) testemunho de presença (vida íntegra e de serviço) como pré-evangelização; (2) testemunho verbal do “plano da salvação”; (3) batismo: integração dos convertidos à igreja; (4) discipulado; (5) envio do discípulo para testemunho de presença (vida íntegra e de serviço) como pré-evangelização e testemunho verbal do “plano da salvação”.

Nesse paradigma, a salvação é eclesiocêntrica e se resume à conversão pessoal e individual: salvo é todo aquele que crê na mensagem do evangelho, se arrepende para a remissão de seus pecados, e passa a viver integrado na comunidade cristã, sob os imperativos éticos do evangelho e o compromisso de propagar e difundir a mensagem de salvação. Uma derivação deste paradigma ocorre quando se acrescenta o conceito de plantar igrejas, mas ainda assim o conceito de missão fica atrelado à igreja e sua expansão.

O paradigma da Grande Comissão é uma teologia da missão baseada em conceitos como: salvar almas, aceitar Jesus como Salvador pessoal, evangelismo pessoal, testemunho verbal, primazia da evangelização (compreendida como anúncio verbal) sobre a responsabilidade social, plantar igrejas, expansão missionária,e crescimento da igreja.

O paradigma da missio Dei tem origem em Karl Barth, na Conferencia Missionária de Brandemburgo em 1932. A influência do seu pensamento atingiu o auge na Conferência do Conselho Missionário Internacional ocorrida em Willingen (1952). De acordo com David Bosch (Missão transformadora. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2002), “foi lá que a idéia (não o termo) da missio Dei emergiu, pela primeira vez, de maneira clara. Compreendeu-se a missão como derivada da própria natureza de Deus. Ela foi colocada, pois no contexto da doutrina da Trindade, não da eclesiologia nem da soteriologia. A doutrina clássica da missio Dei como Deus, o Pai, enviando o Filho, e Deus o Pai e o Filho, enviando o Espírito foi expandida no sentido de incluir ainda outro ‘movimento’: Pai, Filho e Espírito Santo enviando a igreja para dentro do mundo”.

O novo paradigma da missio Dei descarta a idéia de missão restrita ao discipulado individual e supera o reducionismo da salvação como livramento dos indivíduos das penas eternas. A igreja não é para o mundo, nem mesmo espaço de fuga do mundo, mas o próprio movimento de Deus para dentro do mundo, e nesse sentido, igreja com o mundo. A missio Dei se relaciona com a missão da igreja fazendo desta última a comunidade solidária com o Cristo encarnado e crucificado, bem como ressurreto e exaltado: igreja como plenitude da humanidade e epifania. Bosch conclui que “o propósito primeiro das missiones ecclesiae não pode, por conseqüência, ser simplesmente a implantação de igrejas e a salvação de almas; pelo contrario, ele deverá ser o serviço à missio Dei, representar a Deus no e diante do mundo (…) Em sua missão, a igreja é testemunha da plenitude da promessa do reino de Deus e é partícipe da batalha contínua entre esse reinado e os poderes das trevas e do mal”.

Desenvolvendo e dando contornos práticos ao conceito da missio Dei, Wesley Ariarajah, do Sri Lanka, acredita que não podemos “compreender a missão simplesmente como uma mensagem que trazemos ou atividades que fazemos no mundo, mas como participação com Deus e todos os outros ao trazer cura e integralidade, justiça e paz, reconciliação e renovação no mundo” (Hope S. Antone. Rumo a um novo paradigma nos conceitos de missão. Theologies and Cultures, vol V, no.2, December, 2008). Ariajarah sugere quatro aspectos da missão: os agentes e o objetivo da missão, a natureza da comunidade da fé em missão, e o conteúdo da missão. Antone acrescenta um quinto aspecto: o espírito da missão.

O paradigma da missio Dei implica a afirmação de que “cristãos estão em missão porque Deus é “de antemão presente e ativo no mundo, atraindo-o a si mesmo”, conforme Ariarajah. Deus é o principal agente da missão, e a executa através de muitas maneiras, não necessariamente exclusivamente debaixo do guarda-chuva da igreja. A participação de Deus no sofrimento humano extrapola a ação dos cristãos e “coloca esta amorosa, cuidadora, julgadora e apaixonante presença e missão de Deus no coração de todos os afazeres humanos, independentemente de suas ambigüidades”, diz Ariajarah. Deus age através da igreja, com a igreja, além da igreja, apesar da igreja, e, de quando em vez, contra a igreja.

Caminhando um pouco mais, compreendemos também que o objetivo da missão não pode se restringir a “ganhar almas e plantar igrejas”, pois o conceito de conversão deve ser ampliado da mera adesão a uma outra religião, passando a ser considerada como profunda transformação que exige o engajamento do convertido na missio Dei, afim de promover salvação, libertação, reconciliação e restauração de toda a criação, e não apenas de pessoas/indivíduos. “O novo paradigma de missão vê a conversão como a atividade transformadora do Espírito nas vidas de indivíduos e comunidades, para uma vida orientada para Deus e o próximo, comenta Hope S. Antone.

Um terceiro aspecto do novo paradigma diz respeito à natureza da comunidade de fé em missão. O paradigma tradicional, que objetiva a conversão de pessoas está baseado na sugestão de que os cristãos devem ser maioria para que mudanças no mundo sejam percebidas. Esta noção pode receber pelo menos três senões: confunde tamanho com força, acredita no ultrapassado princípio positivista do progresso – mudar o mundo, e desconsidera as imagens bíblicas para a igreja.

O êxito da missão não deve ser avaliado a partir do “aumento do número de conversões, batismos ou igrejas construídas como medidas para determinar o sucesso – mas sim o quão bem-sucedidos temos sido ao mostrar o abrangente amor de Deus de tal modo que a comunidade e o mundo em que vivemos possam se tornar muito mais amorosos e justos, como foi o planejado por Deus”, acredita Antone.

O conteúdo da missão deve transpor a barreira “de assuntos meramente doutrinários para abordagens espiritualmente profundas”. Ariarajah acredita que “a missão que é baseada nos usuais apelos cristãos de exclusividade ou superioridade e absoluta posse da verdade não tem futuro”, pois “na realidade, tal posição apenas cria mais rivalidade e animosidade entre os adeptos de diferentes religiões”.

A igreja não é apenas portadora de uma mensagem, mas advento de um novo tempo. A igreja é sinal histórico do reino de Deus. Sua presença no mundo deve ser uma expressão clara de que o reino de Deus chegou. Por trás do “clamor por uma justiça econômica, paz e reconciliação genuínas, liberdade da violência e opressão e por condutas justas nas relações internacionais, está uma busca espiritual profunda”, diz Ariajarah, e justamente por isso a igreja oferece não apenas uma nova mensagem, mas a si mesma como sinal de um novo mundo (a se consumar na eternidade).

Antone sugere ainda que há necessidade uma outra mudança na forma de compreender a missão. A respeito do espírito presente por trás da metodologia ou prática de missão, defende a solidariedade genuína com as pessoas em suas necessidades humanas reais, em detrimento da mera ação proselitista.

É urgente a troca do verbo “converter” para “servir”. Os cristão não fomos chamados a convencer pessoas a respeito da vida e obra de Jesus através de argumentos persuasivos, mas a demonstrar Jesus com nosso estilo de vida. O Cristianismo não é um conjunto de ideias – uma ideologia que se espalha pelo discurso, mas uma pessoa, que se expressa através do amor e do serviço dos seus seguidores.

À luz dessas reflexões e influenciado pelo movimento de Lausanne e a chamada teologia da missão integral, creio que a igreja – compreendida inclusive e principalmente como comunidade local, está a serviço do Deus em missão, e deve ser um sinal histórico do reino de Deus, levando o evangelho todo para o homem todo, promovendo e protagonizando os frutos do ministério terreno de Jesus: salvação, libertação e restauração integrais, no poder do Espírito Santo, para a glória de Deus.


Ed Rene Kivitz
texto retirado do site: www.edrenekivitz.com
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