quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Religião: chave para dialogar com o povo

Para o histórico militante da Teologia da Libertação, na América Latina, longe de alienar, a religião é a chave para a transformação social

15/09/2010

Joana Moncau,

Desinformémonos

“Jamais haverá participação popular nos processos políticos latino-americanos sem incorporar a religiosidade do povo”, é o que afirma sem titubear o frei dominicano, jornalista e escritor, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto.

Uma das principais referências da teologia da libertação no Brasil e com larga trajetória de lutador social, ocupa lugar privilegiado para versar sobre o tema. Não por acaso, seu livro “Fidel e a Religião” (1986) teve importante papel, segundo próprio bispo cubano, para "tirar o medo dos cristãos e o preconceito dos comunistas". Indubitavelmente, a reconciliação entre a Igreja Católica e o governo revolucionário cubano deve algo a Frei Betto.

No Brasil, militante dominicano desde sua juventude na época da ditadura (1964-1985), contribuiu para a realização de acontecimentos históricos. Entre eles a fundação do Partido dos Trabalhadores, o PT, governo do qual chegou a formar parte em seu início com a eleição de Lula a presidência da república, em 2002.

Política, religião e comunicação. Na entrevista que segue Frei Betto, recorre a esses três pilares para nos deixar sua impressão sobre o atual momento político por que passa a América Latina.


Como frei dominicano e militante junto às bases populares na época da ditadura brasileira, como avalia a importância da Igreja Católica para as lutas sociais na América Latina, especialmente no combate às ditaduras que assolaram a região durante a década de 60? De lá para cá, mudou o perfil da atuação social da Igreja?

Frei Betto: Nos anos 1960 e 1980 a Igreja Católica, renovada pelo Concílio Vaticano II e pela conferência episcopal latino-americana em Medellín (1968), teve papel preponderante nas lutas sociais na América Latina. Através das Comunidades Eclesiais de Base e do advento da Teologia da Libertação, decorrentes da "opção pelos pobres", muitos militantes foram formados pela Igreja segundo o método Paulo Freire. Em países sob ditadura, como Brasil e Nicarágua, essa formação resultou em opção revolucionária. Diria que, de certo modo, as eleições recentes de Lula, Correa, Evo, Funes e outros têm a ver com esse processo pastoral.

Com o pontificado de João Paulo II e a queda do Muro de Berlim, iniciou-se a "vaticanização" da Igreja latino-americana. A Teologia da Libertação foi censurada; os bispos progressistas afastados; padres conservadores nomeados bispos etc. Hoje a Igreja Católica, embora abrigando grupos progressistas comprometidos com as causas populares, reflui na opção pelos pobres e busca situar-se numa suposta neutralidade frente aos conflitos sociais.

Qual a ponte entre o cristianismo e a luta armada?

Hoje, na América Latina, a luta armada só interessa a dois setores: fabricantes de armas e extrema direita. Governos como Lula, Chavez, Mujica etc demonstram ser possível realizar reformas estruturais pelas vias pacífica e democrática. Porém, a questão da relação cristianismo e luta armada está, em tese, equacionada desde o século XIII por meu confrade Tomás de Aquino. Em caso de opressão prolongada e sem outro recurso para se evitar um mal maior fora da resistência armada, então esta é justa e legítima. Nos anos 1960 e 80 isso se aplicava a países da América Latina sob ditaduras, o que explica os testemunhos de Frei Tito de Alencar Lima, Camilo Torres e tantos outros cristãos que participaram da luta armada. Esse mesmo princípio tomista levou João Paulo II a comemorar os 50 anos da vitória da resistência europeia contra o nazifascismo. E, como sabemos, a resistência atuou com armas.

As lutas sociais latino-americanas incorporaram símbolos e princípios do catolicismo (como a Nossa Senhora de Guadalupe no México, as místicas do MST, etc). É possível falar em alguma luta que seja genuinamente popular na América latina e que desconsidere a força do catolicismo e da religião?

Que eu saiba não há nenhuma força política progressista na América Latina que apregoe o ateísmo e seja antirreligiosa. Desde que Fidel acentou, na entrevista que lhe fiz em 1985 (livro "Fidel e a Religião") a importância da religião como fator de libertação, o preconceito praticamente terminou. Jamais haverá participação popular nos processos políticos latino-americanos sem incorporar a religiosidade do povo. Aqui a porta da razão é o coração e a chave do coração é a religião.

Considerando essas questões, como interpretar o caso da revolução cubana? Como avalia a situação por que passa o país hoje?

A Revolução cubana incorporou os valores religiosos do povo, tanto que teve líderes assumidamente cristãos, como Frank Pais e José Antonio Echeverría, bem como capelão, o padre Guillermo Sardiñas, que após a vitória mereceu o título de Comandante da Revolução.

Hoje Cuba passa por um período de excelente relações entre Igreja e Estado, a ponto deste permitir quea Igreja Católica faça a mediação que possibilita a libertação de presos de consciência.

Que papel os movimentos sociais desempenham hoje na política latinoamericana? No Brasil, pode-se dizer que foram a maior herança de resistência e organizaçao da época da ditadura?

Sem os movimentos sociais a América Latina não estaria vivendo essa primavera democrática representada por Lula, Chávez, Funes, Mujica, Evo, Correa, Lugo etc. No entanto, ocorre hoje um refluxo dos movimentos sociais, muitas vezes porque suas lideranças foram cooptadas para aqueles governos. A queda do Muro de Berlim, a influência do neoliberalismo e das novas tecnologias, o advento da pós-modernidade, são alguns dos fatores que explicam a desmobilização dos movimentos sociais, embora alguns permaneçam ativos, como o movimento indígena e, no caso do Brasil, o MST. O movimento indígena, graças à eleição de Evo Morales, o primeiro indígena presidente, ganha autoestima e, devido ao tema ambiental estar em pauta, também relevância, sobretudo na proposta do BEM VIVER, nos ensinando que devemos aprender a considerar o necessário como suficiente.

Quanto aos governos com origem na esquerda partidária e nos movimentos sociais que vêm se consolidando no cenário latinoamericano, é possível classificá-los como governos de esquerda?

Não, são governos progressistas e, alguns, como é o caso da Venezuela, até explicitam o socialismo como projeto político. Mas também estão longe de serem governos de direita ou conservadores. Dentro de possibilidades reais, e não ideais, atuam em favor dos mais pobres e sobretudo desarticulam o poder político das oligarquias tradicionais, embora elas prossigam com muito poder econômico.

Tendo acompanhado o partido e colaborado com o PT desde sua fundação, como o senhor avalia os 8 anos de governo Lula em relação à proposta inicial do partido? Como o senhor define sua relação atualmente com o PT e com Lula?

Lula fez o melhor governo de toda a história republicana do Brasil. Permitiu que 19 milhões de pessoas saíssem da miséria. Estabilizou a economia. Mas não fez nenhum reforma estrutural e nem qualificou a saúde e a educação. Escrevi dois livros de avaliação do governo Lula: A MOSCA AZUL e CALENDÁRIO DO PODER (editora Rocco). Apesar das limitações, penso que é importante dar continuidade do governo do PT.

Como jornalista e escritor, qual o papel da comunicação para a transformação social? A comunicação ainda é o Quarto Poder? Como enfrentar esse poder?

A comunicação não é mais o quarto poder, é o primeiro. Vide o papel do marketing eleitoral nas campanhas políticas. Ocorre que os grandes veículos de comnicação se encontram em mãos da elite conservadora. Um dos desafios a serem enfrentados pelos setores progressistas é o de encontrar alternativas à comunicação controlada pelos monopólios poderosos.

Esteve preso por 4 anos. Como essa experiência interferiu na sua vontade de lutar contra a ditadura e as injustiças sociais?

Ao contrário, foi a minha militância por justiça social e contra a ditadura que me levou à prisâo. Esta apenas reforçou minha decisão de estar sempre ao lado dos oprimidos, ainda que aparentemente eles não tenham razão.

O senhor já escreveu mais de 50 livros, em quantas linguas já foi traduzido? Qual dos seus livros recomenda para nossos leitores que queiram conhecer melhor o Frei Betto?

Minhas obras já foram traduzidas em 32 idiomas e 23 paises. Para o leitor latino-americano sugiro obras em espanhol editadas em Cuba: Fidel y la religion; La obra del artista - una vision holística del Universo; Un hambre llamado Jesús (novela). E deve sair em breve La mosca azul.


retirado do site brasildefato.

Chega de iniquidade

À igreja brasileira,

Nós, do Evangélicos pela Justiça – EPJ, somos um movimento de evangélicos e evangélicas, organizados visando à busca da justiça do Reino de Deus no enfrentamento dos problemas sociopolíticos.

Queremos, com esta declaração, trazer um apelo às nossas igrejas a fim de contribuir com sua maturidade em meio a cada vez maior engajamento em questões sociopolíticas. Após um longo período de “apoliticismo”, líderes evangélicos passaram a defender, com a redemocratização, a participação política dos evangélicos. Saudamos este novo ativismo e militância política que trouxe a comunidade evangélica para a discussão dos rumos do país!

Embora haja alguns exemplos de fidelidade ao espírito do Evangelho e participação responsável na política os quais é necessário reconhecer, as últimas eleições e processos políticos têm testemunhado que, embora cada vez mais presente no jogo político, a participação dos evangélicos tem produzido, na maioria dos casos, mais vergonha que testemunho ético pela causa da justiça e do direito: troca de votos por concessões de rádios e canais de TV, envolvimento em escândalos, todo tipo de rendição aos vícios da política brasileira como o nepotismo, o clientelismo e o patrimonialismo, e a mentalidade de curral eleitoral e defesa de interesses corporativos. Infelizmente, a maioria desses problemas decorre da falta de princípios coerentes com o evangelho por parte de determinadas igrejas e pastores na compreensão do papel das igrejas na arena política, mas também da falta de experiência participativa de muitos irmãos e irmãs. Isto produz concepções e práticas distorcidas sobre a política.

À luz de recentes declarações de alguns pastores com o fim de “demonizar” certos partidos e candidaturas e sua repercussão na comunidade evangélica, fato que não é novo na história recente de sua participação política, gostaríamos de chamar a atenção para a necessidade de reflexão sobre alguns pontos:

1. Infelizmente, muitos têm se desmotivado a exercer suas obrigações como cidadãos e cidadãs responsáveis, emitindo sua opinião, votando de forma séria e consciente e acompanhando representantes e governos eleitos, em virtude de sucessivos escândalos e de estruturas partidárias e governamentais que não incentivam a participação cidadã consequente. Apesar de tudo, motivados pelo compromisso com o evangelho, acreditamos que é fundamental a participação no processo político-eleitoral e no enfrentamento dos problemas sociais para a construção de uma sociedade mais justa para todos conforme nos ensinam as Escrituras e o exemplo de Jesus.

2. O período das eleições é um momento extremamente importante para o destino do povo brasileiro. Nossas igrejas podem e devem contribuir significativamente para a construção e fortalecimento da democracia. Defendemos que a democracia pode ser fortalecida com o engajamento ético e prático de nossas lideranças e igrejas nos momentos eleitorais, sobretudo através de momentos de formação que permitam aos seus membros adquirir uma visão crítica da realidade política e social para que não sejam facilmente enganados por fatos infundados, por corruptos ou por aqueles que querem enriquecer às custas do sofrimento do povo.

3. Para isso, sustentamos que boas ponderações políticas devem acontecer em espaços abertos ao diálogo com a participação de diferentes vozes. Nesse sentido, alertamos para o fato de que nossas igrejas são formadas por pessoas que defendem diversos candidatos de diversos partidos políticos e todos merecem respeito em suas escolhas como cidadãos e cidadãs. Qualquer tentativa de manipulação, coerção religiosa ou campanhas difamatórias pode enfraquecer a democracia, promover animosidades, transformar igrejas em currais eleitorais e produzir um péssimo testemunho perante a sociedade.

4. Rejeitamos, portanto, como sendo indignos do evangelho e da nossa herança reformada qualquer tipo de terrorismo eleitoral, formação de curral, demonização de candidatos e partidos — sejam quais forem — e ataque à liberdade de pensamento e expressão política nas nossas igrejas. Não negamos o direito a qualquer defesa de considerações ou opiniões a favor ou contra projetos de lei ou planos governamentais, pelo contrário. Todos necessitam ser amplamente debatidos e conhecidos pela população. Ao mesmo tempo, é ingenuidade política ou manipulação ideológica pregar purismos partidários. Também o é ignorar que a manifestação de opinião que incita à discriminação e/ou à violência não pode ser admitida numa sociedade democrática. Não existem partidos políticos e candidatos perfeitos. Qualquer leitura política e escolha eleitoral devem considerar a coerência com TODOS os valores do Evangelho, não apenas alguns, que se apliquem àquela situação, buscando avaliar conjunturalmente aqueles programas de governo que contribuam para a melhoria das condições de vida da maioria dos brasileiros e brasileiras, e mais se aproximem, assim, do princípio do amor ao próximo como a Deus que é a regra áurea do Evangelho.

5. Quanto a recentes declarações sobre a institucionalização da iniquidade no Brasil, nos perguntamos se nesse conceito cabem também as péssimas condições de saúde, educação, moradia, trabalho e renda, na cidade e no campo; se cabe a desfaçatez das elites brasileiras que há mais de 500 anos institucionalizaram a opressão da maioria da população brasileira, primeiro do indígena, depois, e ainda, dos negros, e das classes populares, entre outros grupos e segmentos; se cabe o racismo institucionalizado que nega direitos por causa da cor da pele; se cabe a violência institucionalizada que mata milhares de jovens a cada ano; se cabe a discriminação institucionalizada contra a mulher que ainda sofre violências e preconceito no mercado de trabalho, no lar e nas igrejas; se cabe o descaso institucionalizado com as crianças e os jovens aos quais lhes é negado o direito à vida digna; se cabe o descaso institucionalizado com os que vivem no campo, sem terra e sem condições de subsistência; se cabe o descaso institucionalizado com os idosos e idosas que contribuíram a vida inteira com o seu trabalho mas que não têm direito a uma aposentadoria e saúde decentes; se cabe a caricatura de grupos minoritários; e assim por diante. Sem negar as mudanças de valores por que passa a sociedade brasileira no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, os quais necessitam ser discutidos democraticamente, semelhantemente ressaltamos a necessidade de se combater a iniquidade que assalta a vida nas suas mais diferentes expressões, algumas das quais elencadas acima.

6. Considerando o que foi dito acima e seu compromisso com os valores do Evangelho, o movimento Evangélicos pela Justiça (EPJ) recomenda o voto naqueles candidatos e candidatas e programas de governo que sustentam a superação das históricas desigualdades brasileiras, que não signifiquem retrocesso nas conquistas dos direitos sociais, culturais e econômicos, que não criminalizem os movimentos sociais e a luta da sociedade civil organizada, que defendam políticas públicas que garantam desenvolvimento com justiça e sustentabilidade para as próximas gerações, e que levem o Brasil a defender posições internacionais comprometidas com a justiça e equilíbrio geopolíticos.

Nesse espírito, dizemos CHEGA DE INIQUIDADE! e conclamamos a todos a se engajar tanto nesse período eleitoral como após o mesmo, buscando mais justiça para todos e a diminuição do sofrimento de nosso povo.

Felizes os que têm fome e sede de justiça!


24 de Setembro de 2010

EVANGÉLICOS PELA JUSTIÇA – EPJ
www.epj.org.br

O "eixo do mal" em terras brasileiras

Pelas mais variadas razões, diferentes amigos e, quem sabe, alguns inimigos, me mandaram um vídeo do pastor Paschoal Piragine, com o sugestivo aviso: “Corremos perigo. Repassem, por favor, antes que seja tarde demais”. Levei um susto e, imagino, essa era exatamente a ideia. Tema: a iniquidade e em quem (não) votar nas próximas eleições. O perigo da “institucionalização da iniquidade” que se avizinha: 3 de outubro.

Considerando o assunto — campanha política —, nada de novo. As eleições são pródigas em vídeos, CDs e gravações, digamos, apócrifos, sobre demônios, comunistas, entre outros tipos de anticristos que, não muito tempo depois do pleito, passam a frequentar os mesmos salões dos religiosos.

O medo e a desconfiança também fazem parte do jogo político. Nem sempre um jogo limpo. Mas a luta pela não institucionalização da iniquidade não é nova. Vou poupar o leitor e vou direto ao ponto. Talvez, tal institucionalização seja fruto do constantinismo, tantas vezes chamado ingenuamente de “bênção de Deus” por nós evangélicos: telhas, praças da Bíblia, terrenos, dia disso, dia daquilo, entre outras sinecuras. Constantinismos daqui e dalém-mares. No governo e na igreja de hoje, no governo e na igreja de ontem.

Como alerta, para além da política eleitoral, faço coro com o pastor Piragine: “Nós não queremos a iniquidade institucionalizada no Brasil”. É bom que o cidadão e, vá lá, o eleitor cristão conheçam a história do “seu” candidato. Saibam por onde andou, com quem andou, se está a serviço de alguém — grupo, partido, empresa, ONGs, igreja, movimentos. No entanto, é preciso cuidado com a tentação — que podemos chamar de “tentação Copa do Mundo”, aquela que acontece de quatro em quatro anos — de traçar uma linha divisória entre o bem e o mal em terras brasileiras. É bom lembrar N. T. Wright sobre o assunto: “A linha que separa o bem e o mal não passa entre “nós” e “eles”, mas sim por cada indivíduo, por cada sociedade”.

E, por falar em eleições, é preciso ser prático. Não faz muitos dias, mais de 3 mil homens (policiais civis e militares) fizeram a segurança da 14ª Parada do Orgulho Gay em São Paulo, na Avenida Paulista e na Rua da Consolação. Os investimentos bateram a casa de 1 milhão de reais, por parte da Prefeitura Municipal de São Paulo. Uma semana antes do evento, o coordenador geral da Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual, Franco Reinaudo, não deixava dúvidas: “A parada pretende ser mais organizada e segura do que a edição de 2009. Usaremos [os recursos] para melhorar a infraestrutura para atender melhor munícipes e turistas”. Ao final da festa, que reuniu 3 milhões de pessoas, o representante do governo municipal arrematou: “Este é o nosso Natal”...

Enfim, não sem ironia, podemos respirar aliviados: a iniquidade já está “institucionalizada”. E, diga-se de passagem, em São Paulo, onde a cidade e o estado, não é de hoje, têm governos de oposição ao temido partido que tomou conta do Palácio do Planalto. Devo repetir. O alerta é válido e, de fato, “Deus não tolera a iniquidade”. Acrescento: não importa o partido. Mas ela tem data de validade; apenas não arriscaria a dizer que é 3 de outubro. De qualquer modo, parafraseando o texto bíblico, não é bom confiar em príncipes, quer do PT, do PSDB, do DEM, nem mesmo em príncipes evangélicos.


Marcos Bontempo
retirado do site da Ultimato.

Democracia Versus Iniquidade: O purismo religioso à disposição do retrocesso democrático

... vida de gado, povo marcado, ê, povo feliz ...
(Zé Ramalho)

Nestas últimas semanas, muitos evangélicos, sobretudo batistas, foram naufragados com e-mails que sugeriam ufanisticamente assistir a uma proposta do Pr. Paschoal Piragine de não votar, nesse pleito democrático de 2010, no Partido dos Trabalhadores (PT). Não atentando obrigatoriamente às leis eleitorais que regem democraticamente o seu país (1), o Pr. Piragine, no início de sua homilia política, construiu o axioma de sua fala associando, forçosamente, à pregação cristã, um conceito de pureza étnica ao lado de outro, o de unidade nacional antigotestamentária, ambos sob a flâmula escatológica da “iniquidade” – um conceito de exclusão social que os próprios fariseus usaram contra Jesus Cristo (que, para eles, era um iníquo e que, por isso, merecia a morte, a morte de cruz[2]). Em passo seguinte, sem lembrar dos conflitos religiosos dos séculos XVI ao XVIII que, inclusive, retalharam mortalmente reformadores e protestantes (3), o pastor associou culposamente ao Partido dos Trabalhares e ao terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos, o problema do homossexualismo, da homofobia, do infanticídio indígena, da pedofilia, do fim da liberdade religiosa, da pornografia, do divórcio, da violência familiar, do homicídio familiar, do esquartejamento de feto, da pobreza etc. Sem querer defender a coligação PSDB e DEM (antigo PFL da ditadura torturenta e militar), ou do Partido Verde, PSTU, PCO, PT, PSDC, PRTB ou PCB, quero questionar a posição política do pastor Piragine, um pastor que se quer fazer teólogo da Missão Integral da Igreja – mesmo que usada como estratégia de crescimento de Igreja.

Democracia e Intolerância sob o ponto de vista da Teologia Cristã Política

À luz das Teorias do Direito contemporâneo de Jürgen Habermas (4) e de John Rawls (5), as perspectivas sócio-democráticas dos nossos tempos respondem à pluralidade de valores e, sobretudo, às necessárias garantias dos direitos individuais. Estas teorias democráticas se acenderam devido aos conflitos sangrentos da noite de São Bartolomeu, do conflito religioso na cidade de Münzer, dos massacres aos trabalhadores acontecidos no período da Revolução Industrial, do massacre étnico promovido pelo Nazismo a partir de um princípio de iniquidade religiosa, moral e étnica: conflitos de ontem, conflitos de hoje. Assim, as Teorias Democráticas do Direito indicam ser necessário que os princípios reguladores das sociedades que pretendem ser democráticas se balizem pela Declaração dos Direitos Humanos. Ora, a luta ideológica destes pensadores, ao defenderem a Democracia e os Direitos Fundamentais, visa contornar as compreensões particulares e intolerantes de mundo que, entre várias possibilidades, objetiva associar liberdade individual à prática da iniquidade religiosa.

A luta pela dissolução da democracia e a ressurreição das compreensões particulares de iniquidade são responsáveis pela morte de evangélicos e católicos no mundo islâmico fundamentalista, é responsável pela morte de torcedores de futebol (palmerenses, flamenguistas, vascaínos, hooligans e muitos outros), foi responsável pelas mortes históricas de negros e índios cometidas inclusive por evangélicos batistas e presbiterianos nos EUA, pela vergonhosa perseguição e preconceito aos bolivianos no subúrbio de São Paulo, pelo preconceito aos nordestinos e pela perseguição fatal ao cristianismo e ao seu fundador nos anos que vão do 34 ao 40 de nossa era cristã.

Em épocas de profundas crises sociais, o ufanismo irrefletido procura culpar a diversidade cultural pelos problemas que lhe sejam atuais: o governo republicano de Bush não revelou ao seu país que o próprio governo americano (nas gestões executivas dos republicanos) tinha militarizado o Iraque de Saddam Hussein e as milícias de Osama Bin Laden na luta contra o Irã e a antiga União Soviética respectivamente, e, após alguns anos, deu andamento a vários massacres militares, pois o julgaram como culpados pela crise sócio-econômica que explodiu nos anos de 2008 e 2009, e porque eram fracos – considerando que os EUA não têm coragem de invadir Cuba, China (a sua maior aliada comercial e cambial) e Irã; a Alemanha nazista queria culpar os judeus, os ciganos, os eslavos etc., por sua crise sócio-econômica surgida após a primeira guerra mundial. Há vários exemplos de como a ideia de iniquidade surge como medida para excluir o outro para que, assim, se implante um regime político ou religioso purificado da democracia, e sob o terror da justiça apocalíptica de JHWH, Alá, Deus, do Estado Comunista (que é completamente diferente das políticas que se autodiferenciam destas quando se apresentam como socialistas) e, por mais absurdo que possa parecer a todos, de Jesus Cristo (6).

Assim, as discussões sobre a Democracia Deliberativa e sobre os Direitos Universais da Mulher e do Homem, não podem ser vistas sob a ótica da iniquidade religiosa. Immanuel Kant (7) ensina que a convivência política só caminha sob a perspectiva da liberdade e da garantia da individualidade recíproca. Soberanamente, Jesus nos ensina que o outro, mesmo que este seja o Samaritano iníquo (sob o ponto de vista da TORAH farisaica), não deve ser portador de um julgamento moral ou de retaliação social, mas de amor, de amor integral.

No mundo encontrado por Jesus havia absolutizações que escravizavam o homem: absolutização da religião, da tradição e da lei. A religião não era mais a forma como o homem exprimia sua abertura para Deus, mas se substantivara num mundo em si de ritos e sacrifícios. Liga-se à tradição profética (Mc. 7,6-8) e diz que mais importante que o culto é o amor, a justiça e a misericórdia (8).

Indo em colisão aos ensinos de Cristo presentes nos quatros Evangelhos, o Pr. Paschoal Piragine ressuscitou o conceito de iniquidade etnocêntrica usando inteligentemente um mecanismo de manobra ideológica entre palavras e vídeos: vídeo não explica, seduz e co-move; púlpito é espaço de homilia e não de política (ação que exige argumentação e debate público entre opositores). Por este mecanismo de irreflexão e empunhando um ufanismo autodestrutivo, o pastor da Primeira Igreja Batista de Curitiba desferiu a ação curralesca de dirigir os votos de uma Igreja num pleito que se pretende democrático: “não votem ...!”, em nome de uma religião purificada da iniquidade. Contudo, mutatis mutandis, se o Pastor Piragini levar às últimas consequências a sua ética da luta veemente contra a iniquidade e, por isso, começar a ver per se que os seus aliados, alguns bispos da CNBB (ou mais especificamente da Canção Nova?) e outros, não cristãos, que ele diz estarem afins a esta luta, não se adequam ao seu conceito de iniquidade? Ele os trairá pedindo para que a Constituição do Brasil suspenda o direito do catolicismo, do espiritismo, do luteranismo, do presbiterianismo, do pentecostalismo, das religiões indígenas, do ateísmo, dos batistas arminianos, dos batistas calvinistas, dos batistras tradicionais, dos outros batistas que não sejam da Primeira Igreja Batista de Curitiba, dos batistas que não sejam ele mesmo? Deste modo, pode-se ver que a iniquidade parece ser mais uma ideia subjetiva que o respeito e o amor ao próximo; quando a ideia da iniquidade tem mais peso em vídeos programados para iludirem que as palavras de Jesus, então o conceito de iniquidade deixa de ser divino para ser malévolo.

A iniquidade não pode estar atrelada ao conceito de pureza étnica (9) ou religiosa. Há profundas diferenças entre os conceitos de iniquidade desenvolvidos em passagens do primeiro testamento cristão e aqueles desenvolvidos no segundo testamento cristão. A luta da Igreja de Cristo é por antecipar o Reino de Deus, gozando o eu paráclito e exercendo a transparência de Cristo. A Missão Integral da Igreja de Cristo não deve promover uma batalha da integridade moral burguesa e excludente, mas da integridade humana daqueles que precisam ser filhos de Deus. Se for assim, um pleito democrático sobre a integridade não pode nascer daqueles que sentam em dízimos e constituem abastardas propriedades, mas de todos que queiram lutar por dignidade e que precisam de Deus.

A Missão Integral não é uma experiência teológica onde se discute crescimento estratégico de Igreja, pois não é uma teologia da propaganda concorrencial de marketing mercadológico (10). Antes, a Missão Integral da Igreja é a reflexão de nossa Missão em Cristo que não condena e, por isso, não pede a crucificação ou o banimento constitucional do diferente, do outro. Todas as vezes que a Igreja retroagir à democracia em nome de uma iniquidade humana, ela pedirá a crucificação de Cristo, tal como os fariseus o fizeram. Cristianismo não é estratégia nem para crescimento de Igreja e nem para falsidade político-ideológica. Com John Stott (11), vejo a Missão Integral da Igreja Cristã como uma experiência de repensar a atitude de relação social da igreja com seu tempo, associando-se radicalmente ao Deus encarnado (Cristo Jesus) que nos abre o véu da ignorância e nos chama a dialogar e a cuidar de todos: bons e ruins, ricos e pobres, fortes e fracos.

Existe uma segunda razão por que as pessoas desenvolveram uma aversão pela idéia de conversão. Diz respeito à impressão de imperialismo arrogante que alguns evangelistas às vezes dão (12).

O que nos é proibido é toda retórica tendenciosa, toda manipulação deliberada de resultados, toda artificialidade, hipocrisia e representação, toda atitude de colocar-se em frente a um espelho com o objetivo de, conscientemente, planejar nossos gestos e caretas, toda autopropaganda e autoconfiança. De maneira mais positiva, devemos ser nós mesmos, ser naturais, desenvolver e exercitar os dons que Deus nos deu e, ao mesmo tempo, depositar nossa confiança não em nós mesmos, mas no Espírito, que concorda em operar por meio de nós (13).

Com Jürgen Moltmann, visualizo um imperativo à Igreja de Cristo de vivência pela integridade humana, onde esta comunidade humana de Cristo surja no mundo como antecipação do Reino de Deus (14). A luta pelo novo que vem de Deus é viver, sobretudo, uma fé pascoal (mas não Paschoal) em Cristo – Ele mesmo, filho de Deus, que foi preterido por uma população extasiada (talvez expressando sua opinião por meios de palmas efusivas) que gritou e apoiou veementemente pela libertação de Barrabás.

Considerações Finais

É difícil pedir para que a Igreja de Cristo jogue pedra caluniosa em nome de uma hipotética iniquidade. Nem a mulher adúltera, Estevão, os ladrões, os assassinos, eu mesmo, os homossexuais, os pobres, as crianças que morrem nos lixões de Curitiba (por causa do modelo monetário capitalista – a moeda que tem o rosto de César – que é a mesma que constrói grandes Igrejas Evangélicas), nem mesmo as crianças indígenas que morrem por problemas culturais, por doenças trazidas pelos comerciantes, por ladrões, por missionários bons e maus etc., devem ser objeto de julgamentos, mas de cuidado e amor. Quem deve ter direito à justiça? Quem deve ter direito à igualdade?

É tempo da Igreja de Cristo no Brasil descobrir que ela não vive mais em sociedades absolutistas. Se isso for verdade, o regime democrático que rege constitucionalmente o nosso país pede para que todos exerçam sua cidadania, conheçam a Constituição Federal e participem dos fóruns públicos visando a uma melhor regulamentação do direito público e do privado, sempre à luz da Declaração dos Direitos Humanos. Se alguém satanizar os Direitos Humanos, esse estará satanizando a garantia da liberdade religiosa dos batistas, presbiterianos, católicos, espíritas, negros, índios, brancos, pardos etc. Sem o direito do outro, não há o meu direito; sem o meu direito, não há o direito do outro. Se Deus não amar e cuidar do outro, por que ele haveria de amar e cuidar de mim? Se Deus cuida e ama a mim, por que ele não haveria de amar e cuidar de outros além de mim mesmo?


Referências Bibliográficas

BOFF, Leonardo. Paixão de Cristo, paixão de mundo: os fatos, as interpretações e o significado ontem e hoje. Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 28-29.
CRÜSEMANN, Frank. “A Torah no pentateuco: desafio e qustionamento” in: A Torá. Teologia e história social da lei do Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 11-34.
CHRISTIN, Olivier. La paix de religion. L´autonomisation de La raison politique au XVI siècle. Paris: Seuil, 1997.
DOUGLAS, M. “A impureza ritual” in: Pureza e perigo. Lisboa: Edições 70, (s/d).
FERRY, Luc. Filosofia Política. El derecho: la nueva querella de los antiguos y los modernos. México: Fondo de cultura económica, 1991.
GRAY, John. Missa negra. Religião apocalíptica e o fim das utopias. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2008.
HABERMAS, Jürgen. “O direito como categoria da mediação social entre facticidade e validade” in: Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
MOLTMANN, Jürgen. Vida, esperança e justiça. Um testamento teológico para a América Latina. São Bernardo Campo: Editeo, 2008.
MOLTMANN, Jürgen. Teologia da Esperança. Estudos sobre os fundamentos e as conseqüências de uma escatologia cristã. São Paulo: Loyola, Teológia, 2005.
MOXNES, Halvor. “Regras de pureza e ordem social” in: A economia do Reino: conflito relações econômicas no Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulus, 1995.
PIRAGINE, P. Crescimento integral da Igreja. Um crescimento em múltiplas direções. São Paulo: Vida, 2006.
RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
RAWLS, John. A Theory of Justice. Oxford: Oxford University Press, 1971
RAWLS, John. Political Liberalism. New York: Columbia University Press. 1993.
RAWLS, John. História da filosofia moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
STOTT, John. A missão integral da Igreja no mundo moderno. Viçosa: Ultimato, 2010.

Notas

(1) Lei 9.504/97 regulamentada pelo artigo 13 da Resolução 22.718/2008 do TSE.
(2) Sobre a relação entre o código de ética farisaico que anexa a pureza “étnica” à “ iniqüidade religiosa”, cf. MOXNES, Halvor. “Regras de pureza e ordem social” in: A economia do Reino: conflito relações econômicas no Evangelho de Lucas. São Paulo: Paulus, 1995, pp. 99-106. Sobre os problemas de interpretação surgidos a partir de relações teológicas não refletidas entre os códigos da Torah e o Novo Testamento cristão, cf. CRÜSEMANN, Frank. “A Torah no pentateuco: desafio e qustionamento” in: A Torá. Teologia e história social da lei do Antigo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 11-34.
(3) CHRISTIN, Olivier. La paix de religion. L´autonomisation de La raison politique au XVI siècle. Paris: Seuil, 1997.
(4) Cf. HABERMAS, Jürgen. “O direito como categoria da mediação social entre facticidade e validade” in: Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, pp. 17-63.
(5) RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
(6) GRAY, John. Missa negra. Religião apocalíptica e o fim das utopias. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2008.
(7) RAWLS, J. História da filosofia moral. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
(8) BOFF, Leonardo. Paixão de Cristo, paixão de mundo: os fatos, as interpretações e o significado ontem e hoje. Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 28-29.
(9) A antropóloga inglesa Mary Douglas afirma que as religiões étnicas aprofundam sua demonologia do outro a partir de uma cosmovisão que substancializa o cumprimento das éticas nacionais e a rejeição das outras formas de vida como a única forma de garantir a estabilidade sócio-econômica. Para mais, cf. DOUGLAS, M. “A impureza ritual” in: Pureza e perigo. Lisboa: Edições 70, (s/d), pp. 19-42.
(10) Com a obra Crescimento integral da Igreja. Um crescimento em múltiplas direções (São Paulo: Vida, 2006), Piragine não percebe que o paradigma da Missão Integral foge à lógica estratégica da correlação marketeira entre “crescimento” e “evangelização”.
(11) STOTT, John. A missão integral da Igreja no mundo moderno. Viçosa: Ultimato, 2010.
(12) Idem, ibdem, p. 132.
(13) Idem, p. 154.
(14) MOLTMANN, Jürgen. Vida, esperança e justiça. Um testamento teológico para a América Latina. São Bernardo Campo: Editeo, 2008.


Retirado do site novosdialogos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Da subversão à brincadeira


O templo pode se tornar o lugar de seu maior desencontro e a comunhão mais legítima, uma violência inadiável.

Dias antes ele viera a um lugar que há muito não estava lá, aquela ‘Casa de Oração’ esquecida sob camadas de mentiras. Porque são necessárias muitas paredes para se esconder com eficiência uma grande mentira. Um grande templo para uma grande religião.

Os barulhos e os cheiros da procissão desembocando na cidade são familiares, homens e mulheres arrastando ofertas e expectativas. As músicas se revezam no embalo final dos que chegam ao lugar decisivo, à morada do Deus que não regateia seus rigores. E um Deus assim, tão inegociável, sempre cria filhos que aprendem a pechinchar à sombra de suas imperfeições.

Os olhos cansados esbugalham em rostos bronzeados pelo sol de tantos dias, andam-se muitos caminhos para se chegar a um templo. Olhares aflitos se destacam em faces ressecadas, cruzam-se desertos para que o templo cumpra seu papel. Gastam-se corpos, afetos, até a fé. O caminho que leva ao templo exaure forças, é epopéia de cansaços, senda de claudicantes. E toda fadiga termina se tornando um grande negócio.

E os que negociam já estão lá, como garantia de que o enorme esforço será triunfante. São mercadores mediando a grande utopia. Nenhuma fadiga, qualquer distância, incidente que seja pode ser tão imprevisível, tão suficientemente contingencial para assaltar a vitória do crente. O templo não pode ser comprometido com as precariedades do caminho.

O custo de um templo assim é alto, mas ninguém garante ofertas à altura de um Deus terrível sem pagar um preço elevado. A demanda é enorme, mas sempre haverá pombas, cabritos, bois e tudo o mais de que carecer o culto. Tudo para que Deus não seja frustrado pelo triste caminho que separa os humanos da glória.

O culto não para. Ninguém para. Nada pode estancar uma ordem que cumpre tão prodigioso papel: garantir um acerto glorioso com o divino. O templo realiza sua vocação à medida que sublima a vida dos imperfeitos. Tudo funciona lá dentro a despeito de tudo o que não funciona lá fora.

O barulho incessante empolga os guardiães do templo. É muito feliz a sensação de assistir à coreografia ininterrupta dos que chegam com tantas expectativas. E que partem já antecipando o dia em que voltarão. Nada é mais lindo aos olhos do sacerdote que o vai-e-vem inexorável da multitude encantada.

Mas um rito subversivo é urdido à margem do templo. E como todo rito é uma trama. Uma dramatização de anseios. Uma usina de novidades. Alguém costura o inusitado, fabrica uma revolta.

A primeira fabricação de um instrumento ultrasônico, aquele capaz de ultrapassar a barreira do som, foi um chicote. Isto porque o movimento da chicotada é mais veloz que o som por ela produzido. E o que direi agora pode ser a descrição mais profana que já se fez de um homem. Um nazareno reuniu todas as iras que a religião do templo lhe provocou em cada tira de corda costurada. Ele mesmo fez o chicote que interromperia o barulho do ajuntamento em transe. O slasch viria depois da dor. Eis o rito mais subversivo. Nada mais apropriado para acordar gente encantada que o som da idéia chegar depois do estrago já feito.

E foi assim. Um homem enfurecido ziguezagueou pelo pátio chicoteando com poucos critérios os que ainda negociavam. A princípio, imaginou-se serem soldados romanos descontentes pelas comissões. Houve quem afirmasse, enquanto corria, que era um endemoniado. O som do chicote e as mesas viradas dos cambistas fizeram a voz do reclamante se multiplicar em tantas que nem imaginamos quem pudesse ser, até o pátio em pandemônio dar lugar ao silêncio estupefato dos que ali permaneceram. E sozinho, resfolegante, restava com a arma ainda empunhada, Jesus.

O amor assusta ao fazer-se ódio. Desvela-se em tensão, revolta e ruptura. Sombrio e violento, mas amor.

Com câimbras na mão e a voz já rouca, vaticina pela última vez: vocês transformaram este lugar em um covil de ladrões. E pensar que um dia já foi uma Casa de Oração. A família, distante, desconfia de sua sanidade. Os discípulos, sem coragem de se aproximar, lembram do profeta. O zelo por sua casa me consumirá.

Dispersos os mercadores, uma gente, que ninguém vê há tanto tempo por ali, aparece vinda de todos os cantos, e nada os impede agora, são os cegos e os mancos. O chicote, quente e trêmulo, despenca teatral da mão de Jesus, tão lentamente quanto a compaixão que agora o envolve. Um Deus assim, tão improvável, sempre junta os filhos dos quais o templo se esqueceu.

As crianças, que tem no mundo um lugar de imaginação, a continuidade das histórias ouvidas antes de dormir, olham a cena e enxergam o que ninguém vê. Apenas continuam a história preferida. De um Davizinho que derrubava gigantes com uma atiradeira na mão, mas curava a tristeza de reis com harpas e poesia. Agora ele tinha um filho, que expulsa gigantes com um chicote, mas toca os doentes como Davi dedilhava sua harpa.

E começaram a se divertir com a mais nova brincadeira, e viam quem gritava mais alto: Hosana ao Filho de Davi!


Elienai Cabral Junior

O fim dos sermões

Há um limite para a convivência das expectativas da multidão e a linguagem lúdica de um sonhador. Pode se manter muita gente por perto, bastante tempo, contando histórias. Respondendo com novas e escorregadias perguntas, distraindo com meias palavras, usando as mesmas figuras para indicar outras imagens. O Reino de Deus, invisível. Fermento para o bolo. Um grão de mostarda. A luz no candeeiro. O sal. Um casamento surpreendente. Outra coisa com as mesmas palavras. Parábolas que postergam os julgamentos, que iludem a ilusão (Kierkegaard).

Mas há um ponto de fervura em toda esperança adiada. Um prazo estreito para o encantamento popular, quando a violência adormecida de todos acorda. Parece que é o que está acontecendo. Ninguém pede mais sinais. Nenhuma nova pergunta é feita e sequer mais uma história é tolerada. Antes, cercado por demandas, agora, rodeado por suspeitas.

Se o apetite por poder não é saciado, aquele que a todos distraiu, de quem nunca se deixou de esperar a mais vulgar e velada satisfação, deve ser consumido nas aspirações desapontadas da turba. Se Jesus não é o Cristo que se reivindica, Barrabás.

Um ídolo não tem o direito de não ser.

Não dá para não trair alguém que tinha tudo para ser o que todos esperavam. Não dá para não repudiar aquele com quem se decepcionou nas mais doces fantasias. Não dá para não condenar aquele que não consentiu com mais uma ilusão.

Um ídolo não tem o direito de se mover.

Todo líder é constituído em um jogo erótico. E toda intriga é uma pornografia. Ninguém toca no assunto, mas todos esperam secretamente que ele seja o que ninguém consegue ser. Este é o segredo que excita os ajuntamentos. Mas, se alguém acende a luz e frustra o fetiche coletivo, retomam-se as sombras, agora para destruir. Odeia-se quem não se deixou amar com máscara. Este é o segredo que perpetua as taras para os próximos ajuntamentos.

Por isso o insinuante beijo de Judas virá. Estalará como um tapa, cheio de um estranho sadismo. A primeira e mais ardida bofetada que o Filho do homem terá recebido.

As palavras de Jesus estão gastas. O prazo se esgotou. Tudo o que diz, desde então nada fala. As multidões atraídas por ele, agora o repelem. Resta o lugar de poucos, o espaço dos amigos. Quem sabe? Jesus se faz anfitrião e põe a mesa. Oferece pão, ainda que ninguém aparente chegar à saciedade. Enche as taças, que insistem em parecer vazias. Cheios estão os corações, mas de diabos. Sente-se sozinho também em casa.

O limite das palavras é um convite para os gestos de amor.

As palavras, amordaçadas, descobrem que o amor se expressa a despeito delas. Silenciosamente, Jesus encena o último sermão antes da cruz. Despe-se da capa para ocupar o lugar discretíssimo do servo. O mestre lava os pés dos discípulos. As mãos de um Deus calado conversam com os pés trôpegos da humanidade.

Nunca se olhou tanto para baixo como no dia em que Deus ficou de cócoras. Quem quisesse olhar para o céu a procura de Deus teria que vê-lo refletido nas águas turvas da bacia sobre o chão. E os pés sujos e vacilantes da humanidade, finalmente, imersos no céu gracioso de Deus.

Por um instante, vendo-o prostrado, alguém entre os discípulos, muito constrangido, se lembrou do que ouviu do próprio Jesus. Que um diabo, em um deserto, tentou fazê-lo se prostrar por poder e fama e ele recusou. Assustado, chegou a pensar: não se prostrou diante da fama para ser ouvido, mas se curvou diante de pessoas para amar… E teve medo do futuro. Do que teria que fazer com todos os seus planos.


Elienai Cabral Junior

domingo, 19 de setembro de 2010

11 de Setembro

Um dos modos mais poderosos de se perpetuar e fortalecer uma ideologia é obtendo-se controle sobre o calendário e sobre o modo como as pessoas marcam a passagem do tempo, recordam eventos passados e celebram momentos sagrados. Desse modo, por exemplo, a cristandade tomou posse dos dias santos do paganismo e converteu-os em festivais cristãos (Natal, Páscoa e assim por diante). Então, em nossa própria época, o capitalismo global tomou posse dos dias santos do cristianismo e converteu-os em festivais de consumo e de acumulação de débito (fazendo o mesmo com os dias santos da nação-estado).

Em qualquer dia marcado como santo – ou designado como momento de se recordar um evento passado – vale lembrar que algumas coisas estão sendo lembradas, enquanto outras estão sendo esquecidas. Certas facções da sociedade têm sempre um interesse velado em moldar nossa memória desta forma, e acontece de serem as mesmas facções que têm o poder de impor sua própria versão da história sobre nós.

Pegue hoje, 11 de setembro. 11/9. Que evento momentoso aconteceu no dia de hoje?

A verdade é que mais de um evento momentoso aconteceu neste dia no curso da história. Em 11 de setembro de 1973 o golpe de Pinochet derrubou no Chile o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. Durante os anos subsequentes de seu governo, entre 9.000 e 30.000 pessoas foram assassinadas ou “desapareceram”, dezenas de milhares mais foram torturadas ou aprisionadas, e centenas de milhares experimentaram “situações de trauma extremo”.

Levando-se em conta a maciça perda emocional colocada em andamento pelos eventos de 11 de setembro de 1973, poderia ter ocorrido a alguém marcar cada 11 de setembro com alguma espécie de memorial. Isso, no entanto, não aconteceu, e tampouco a data será lembrada dessa forma. Por quê? Porque o golpe de Pinochet contou com o apoio da CIA, seu domínio foi sustentado pelo governo americano, seus torturadores foram treinados por oficiais americanos e sua economia implacável (que triturou o povo de seu país de modo a vender seus recursos a corporações externas) foi dirigida por economistas americanos (Milton Friedman comunicava-se pessoalmente com Pinochet, encorajando-o a manter-se fiel ao capitalismo de livre-mercado sem deixar-se distrair pelos sofrimentos do povo chileno).

Por essa razão, aqueles com o poder e os recursos para conduzir as narrativas públicas e as versões da história a que somos submetidos – aqueles que criam os dias especiais que marcam nossos calendários – tomaram providências para que o 11 de setembro permaneça um dia em que esse evento é apagado da história. Ao invés de ser um dia de se lembrar, é um dia de se esquecer. Esqueçamos Allende. Esqueçamos Pinochet. Esqueçamos a destruição da democracia na América Latina. Esqueçamos os modos injetores-de-morte com os quais os Estados Unidos e o resto do Ocidente têm tratado o resto do mundo. Deus sabe que a lembrança dessas coisas poderia inspirar alguns sujeitos a bater com aviões em prédios (embora, pode ser necessário notar, estou convicto de que estariam agindo errado se o fizessem).

Há nove anos, no entanto, alguns caras de fato pilotaram aviões de modo a que colidissem com prédios, e é isso que somos ordenados a lembrar no dia de hoje. É uma opção sem dúvida superior, porque nela nasce a América como vítima inocente – uma vítima que, renascendo das cinzas, permanece ainda disposta a oferecer-se em sacrifício de modo a levar gratuitamente a liberdade e a sabedoria (McDonald’s e Coca-Cola) ao resto do mundo. América, o herói longânimo. América, nosso próprio Cavaleiro das Trevas.

O interessante é que o ano em que tudo isso aconteceu é normalmente removido do vocabulário. As pessoas se referem ao “11 de setembro” ou a “11/9″; não se fala em “11 de setembro de 2001″ ou “11/09/2001″. Desse modo os eventos daquele dia adquirem uma espécie de atemporalidade e adentram um processo de recorrência eterna. A remoção do ano traz o episódio para perto de nós e faz com que pareça que tudo aconteceu um minuto atrás. Isso não apenas acentua a manipulação emocional produzida por espetáculos memoriais, mas também nos ajuda, de modo muito conveniente, a esquecer tudo que aconteceu desde então. Deste modo, lembramos os americanos que sofreram e morreram injustamente. Lembramos o heroísmo dos bombeiros de Nova Iorque.

O que não lembramos são os 100.000 civis que morreram mortes violentas no Iraque desde a invasão americana. Também não lembramos os civis (entre 14.000 e 35.000) que morreram até agora no Afeganistão (isso sem falar no incalculável número daqueles deixados feridos, incapacitados, sem filhos, órfãos ou traumatizados nesses dois países). O que não lembramos é o número incontável de inocentes raptados e torturados por soldados americanos desde 11/9 – em Abu Ghraib e Guatanamo, de Bush, e na prisão “super-Guatamano” de Obama na base da Força Aérea em Bagram.

O que não lembramos é que o governo americano investiu 1.078.552.000.000 de dólares (e contando) nessas guerras. É dinheiro dos contribuintes, mas não lembramos o quanto essas guerras estão contribuindo para a crise econômica nos Estados Unidos, aos cortes orçamentários relacionados a casas populares, escolas públicas, rodovias, iluminação pública e serviços sociais. O que não lembramos é que Bush mentiu ao começar essas guerras e que a administração de Obama mentiu quanto a dar um fim a elas.

Portanto, hoje seremos lembrados a “nunca esquecer” os eventos que ocorreram nove anos atrás. Porém o mandato de lembrarmos determinados eventos de determinadas formas, com a exclusão de todo o restante, é na verdade um modo muito poderoso de se produzir o esquecimento em massa.


Daniel Oudshoorn

sábado, 18 de setembro de 2010

Humanidade, perfeição e um caminho

Uma pessoa não se torna perfeita, quando pratica na sua vida um padrão uniforme de perfeição universal, mas quando responde à chamada e ao amor de Deus, realizada nas limitações e circunstâncias da sua vocação particular.

De facto, a nossa procura de Deus não é de modo algum uma questão de O encontrar através de certas técnicas ascéticas. É antes uma pacificação e ordenação de toda a nossa vida pela negação de si mesmo, pela oração e boas obras, para que o próprio Deus, que nos procura mais do que nós O procuramos, possa "encontrar-nos" e "tomar posse de nós.

"Ser perfeito" não é tanto uma questão de procurar Deus com ardor e generosidade, mas de ser procurado, amado e possuído por Deus, de tal modo que a sua acção em nós nos torna completamente generosos, e nos ajuda a transcender as nossas limitações e a reagir contra a nossa fraqueza.

Tornamo-nos santos, não por dominarmos violentamente a nossa fraqueza, mas por deixarmos que Deus nos dê a força e a pureza do Espírito, em troca da nossa fraqueza e miséria.

Não compliquemos as nossas vidas nem nos frustremos, fixando demasiado a atenção em nós mesmos, esquecendo assim o poder de Deus e ofendendo o Espírito Santo.

A nossa atitude espiritual, o nosso caminho de procura de paz e perfeição, dependem inteiramente do nosso conceito de Deus.

Se formos capazes de acreditar que Ele é verdadeiramente o nosso Pai amoroso, se conseguirmos realmente aceitar a verdade da sua infinita e compassiva preocupação por nós, se acreditarmos que Ele nos ama, não porque somos merecedores, mas porque precisamos do seu amor, podemos então avançar com confiança. Não seremos desencorajados pelas nossas inevitáveis fraquezas e fracassos. Podemos fazer tudo o que Ele nos pede.

Mas se acreditarmos que Ele é um austero e frio legislador, que não tem verdadeiro interesse por nós, um mero governante, um senhor, um juiz e não um pai, teremos grande dificuldade em viver a vida cristã.

Precisamos, por isso, de começar a acreditar que Deus é o nosso Pai; se assim não for, não conseguiremos enfrentar as dificuldades do caminho da perfeição cristã.

Sem fé, o "caminho estreito" é completamente impossível.


Thomas Merton, em "Vida e Santidade"

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Verdadeiramente humanos

Enquanto não compreendermos que, antes de o homem se tornar santo tem de ser primeiro homem, com toda a humanidade e fragilidade da verdadeira condição humana, não seremos capazes de entender o significado da palavra "santo". (...)

Se devemos ser "perfeitos" como Cristo é perfeito, devemos lutar para sermos tão perfeitamente humanos como Ele, de modo que Ele possa unir-nos com o seu divino ser e partilhar connosco a sua filiação do Pai do céu. Assim, a santidade não é uma questão de ser menos humano, antes mais humano do que os outros homens. Isto implica uma maior capacidade de preocupação, sofrimento, compreensão, simpatia e também de humor, alegria e valorização das coisas boas e belas da vida.

Por conseguinte, um pretenso "caminho de perfeição", que simplesmente destrói ou frustra os valores humanos, precisamente porque são humanos, tendo como ideal a atingir a separação dos outros homens, está condenado a não ser mais do que uma caricatura. E tal caricatura de santidade é, sem dúvida, um pecado contra a fé na Incarnação. Evidencia desprezo pela humanidade, pela qual Cristo não hesitou em morrer na cruz.


Thomas Merton, em "Vida e Santidade"

O caminho da humildade

É na humildade que se encontra a maior liberdade.(...)

É só quando deixamos de prestar atenção aos nossos feitos, à nossa fama e à nossa superioridade, que estamos finalmente livres para servir Deus perfeitamente e por Ele só.

A pessoa que não está despojada, pobre e despida no íntimo da sua alma tenderá insconscientemente a realizar em seu proveito as obras que tem a fazer, mais do que para a glória de Deus. Será virtuosa não porque ame a vontade de Deus, mas porque deseja admirar as suas virtudes pessoais. Mas cada momento do dia irá trazer-lhe alguma frustração que a tornará ríspida e impaciente, e será descoberta na sua impaciência.

Planeou executar actos espectaculares. Não pode imaginar-se sem uma auréola. E, quando os acontecimentos da sua vida diária lhe vão recordando a sua insignificância e mediocridade, fica envergonhado e o orgulho impede-o de engolir uma verdade que não surpreenderia qualquer pessoa sensata.


Thomas Merton, em "Novas sementes de contemplação"

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

As marcas da institucionalização da igreja

A igreja tem duas dimensões: organismo e organização, corpo místico de Cristo e instituição religiosa, que convivem e se misturam enquanto fenômeno histórico e social. O grande desafio é fazer a dimensão institucional diminuir para deixar o organismo espiritual crescer. O que se observa hoje, entretanto, é um movimento contrário, no qual muitas comunidades cristãs caminham a passos largos para a institucionalização, sem falar naquelas que estão com os dois pés fincados no terreno da religiosidade formal. Senão, observe o que eu chamo de marcas da institucionalização da igreja.

1. Liderança personalista. Quando a comunidade acredita que algumas pessoas são mais especiais do que outras, abre brecha para que alguém ocupe o lugar de Jesus Cristo e se torne alvo de devoção. Ocorre então uma idolatria sutil e, aos poucos, um ser humano vai ganhando ares de divindade. Líderes que confundem a fidelidade a Deus com a fidelidade a si mesmos se colocam em igualdade com Deus e, em pouco tempo, pelo menos na cabeça dos seus seguidores, passam a ocupar o lugar de Deus. Eis a síndrome de Lúcifer.

2. Ênfase na particularidade do ministério. Uma vez que o projeto institucional se torna preponderante, a ênfase não pode recair nos conteúdos comuns a todas as comunidades cristãs. A necessidade de se estabelecer como referência no mercado religioso conduz necessariamente à comunicação centrada nas razões pelas quais “você deve ser da minha igreja e não de qualquer outra”. Torna-se comum o orgulho disfarçado dos líderes que estimulam testemunhos do tipo “antes e depois de minha chegada nesta igreja”.

3. Ministração quase exclusiva à massa sem rosto. Ministérios institucionalizados estão voltados para o crescimento númerico e valorizam a ministração de massa, que se ocupa em levar uma mensagem abstrata a pessoas que, caso particularizadas e identificadas, trariam muito trabalho aos bastidores pastorais. Parece que os líderes se satisfazem em saber que “gente do Brasil inteiro nos escreve” e “pessoas do mundo todo nos assistem e nos ouvem”, como se transmitir conceitos fosse a única e mais elevada forma de dimensão da ministração espiritual. Na verdade, a proclamação verbal do evangelho é a mais superficial ministração, e deve ser acompanhada de, ou resultar em, relacionamentos concretos na comunhão do corpo de Cristo.

4. Busca de presença na mídia. Mostrar a “cara diferente”, principalmente com um discurso do tipo “nós não somos iguais os outros, venha para a nossa igreja”, é quase imperativo aos ministérios institucionalizados. A justificativa de que “todos precisam conhecer o verdadeiro evangelho”, com o tempo acaba se transformando em necessidade de encontrar uma vitrine onde a instituição se mostre como produto.

5. Projetos ministeriais impessoais. Ministérios institucionalizados medem seu êxito pela conquista de coisas que o dinheiro pode comprar. Pelo menos no discurso, seus desafios de fé não passam pelos frutos intangíveis nas vidas transformadas, mas em realizações e empreendimentos que demonstram o poder das coisas grandes. Os maiores frutos da missão da Igreja são a transformação das pessoas segundo a imagem de Jesus Cristo e da sociedade conforme os padrões do reino de Deus, e não a compra de uma rede de televisão ou a construção de uma catedral.

6. Exagerados apelos financeiros. Consequência de toda a estrutura necessária para sua viabilização, os ministérios institucionalizados precisam de dinheiro, muito dinheiro. As pessoas, aos poucos, deixam de ser rebanho e passam a ser mala-direta, mantenedores, parceiros de empreendimentos, associados.

7. Rede de relacionamentos funcionais. A mentalidade massa sem rosto somada ao apelo mantenedores-parceiros de empreendimentos faz com que as relações deixem de ser afetivas e se tornem burocráticas e estratégicas. As pessoas valorizadas são aquelas que podem de alguma forma contribuir para a expansão da instituição. Já não existe mais o José, apenas o tesoureiro; não mais o João, apenas o coordenador dos projetos Gideão, Neemias, Josué, ou qualquer outro nome que represente conquista, expansão e realizações.

8. Rotatividade de líderes. Não se admira que muitos líderes ao longo do tempo se sintam usados, explorados, mal amados, desconsiderados e negligenciados como pessoas. O desgaste de uns é logo mascarado pelo entusiasmo dos que chegam, atraídos pela aparência do sucesso e êxito ministerial. Assim a instituição se torna uma máquina de moer corações dedicados e esvaziar bolsos de gente apaixonada pelo reino de Deus. O movimento migratório dos líderes de uma igreja para outra é feito por caminhões de mudança carregados de mágoas, ressentimentos, decepções e culpas.

9. Uso e abuso de conteúdos simbólicos. A institucionalização é adensada pelos seus mitos (nosso líder recebeu essa visão diretamente de Jesus), ritos (nossos obreiros vão ungir as portas da sua empresa) e artefatos (coloque o copo de água sobre o aparelho de televisão), enfim, componentes de amarração psíquica e uniformidade da mentalidade, onde o grupo se sobrepõe ao indivíduo e a instituição esmaga identidades particulares. Os símbolos concretos (objetos, cerimônias repetitivas, palavras de ordem) afastam as pessoas do mundo das ideias. Quanto mais concretos os símbolos, mais amarrado e dependente o fiel.

10. Falta de liberdade às expressões individuais. Ministérios institucionalizados, personalistas, dependentes de fiéis para sua manutenção financeira e psicologicamente amarrados pelos conjuntos simbólicos não são ambientes para a criatividade e a diversidade. Todos brincam de tudo quanto seu mestre mandar, faremos todos e, inconscientemente, acabam se vestindo da mesma maneira, usando o mesmo vocabulário, gestos e linguagens não verbais. Seus rebanhos são compostos não apenas por massa sem rosto e mantenedores-parceiros de empreendimentos, mas também por soldadinhos uniformizados, o que aliás, é a mesma coisa.


Ed Rene Kivitz

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Ainda quanto ao video

Segue abaixo o pronunciamento feito pela Aliança de Batistas do Brasil quanto as eleições 2010 no Brasil, vale a pena a ressalva que a ABB conta com apenas uma pequena parcela dos pastores Batistas do Brasil. Mas ainda sim, encaminho pois acho interessante e relevante, e também porque me cansei de receber o famigerado video do Piragibe, rs.


A Aliança de Batistas do Brasil vem por meio deste documento reafirmar o compromisso histórico dos batistas, em todo o mundo, com a liberdade de consciência em matéria de religião, política e cidadania. A paixão pela liberdade faz com que, como batistas, sejamos um povo marcado pela pluralidade teológica, eclesiológica e ideológica, sem prejuízo de nossa identidade. Dessa forma, ninguém pode se sentir autorizado a falar como “a voz batista”, a menos que isso lhe seja facultado pelos meios burocráticos e democráticos de nossa engrenagem denominacional.

Em nome da liberdade e da pluralidade batistas, portanto, a Aliança de Batistas do Brasil torna pública sua repulsa a toda estratégia político-religiosa de “demonização do Partido dos Trabalhadores do Brasil” (doravante PT). Nesse sentido, a intenção do presente documento é deixar claro à sociedade brasileira duas coisas: (1) mostrar que tais discursos de demonização do PT não representam o que se poderia conceber como o pensamento dos batistas brasileiros, mas somente um posicionamento muito pontual e situado; (2) e tornar notório que, como batistas brasileiros, as idéias aqui defendidas são tão batistas quanto as que estão sendo relativizadas.

1. A Aliança de Batistas do Brasil é uma entidade ecumênica e dedicada, entre outras tarefas, ao diálogo constante com irmãos e irmãs de outras tradições cristãs e religiosas. Compreendemos que tal posicionamento não fere nossa identidade. Do contrário, reafirma-a enquanto membro do Corpo de Cristo, misteriosamente Uno e Diverso. Assim, consideramos vergonhoso que pastores e igrejas batistas histórica e tradicionalmente anticatólicos, além de serem caracterizados por práticas proselitistas frente a irmãos e irmãs de outras tradições religiosas de nosso país, professem no presente momento a participação em coalizões religiosas de composição profundamente suspeita do ponto de vista moral, cujos fins dizem respeito ao destino político do Brasil. Vigoraria aí o princípio apontado por Rubem Alves (1987, p. 27-28) de que “em tempos difíceis os inimigos fazem as pazes”? Com o exposto, desejamos fazer notória a separação entre os interesses ideológicos de tais coalizões e os valores radicados no Evangelho. Por não representarem a prática cotidiana de grande fração de pastores e igrejas batistas brasileiras, tais coalizões deixam claro sua intenção e seu fundo ideológico, porém, bem pouco evangélico. Logrado o êxito buscado, as igrejas e os pastores batistas comprometidos com as coalizões “antipetistas” dariam continuidade à prática ecumênica e ao diálogo fraterno com a Igreja Católica, assim como com as demais denominações evangélicas e tradições religiosas brasileiras? Ou logrado o êxito perseguido, tais igrejas e pastores retornariam à postura de gueto e proselitismo que lhes marcam histórica e tradicionalmente?

2. Como entidade preocupada e atuante em face da injustiça social que campeia em nosso país desde seu “descobrimento”, a Aliança de Batistas do Brasil sente-se na obrigação de contradizer o discurso que atribui ao PT a emergente “legalização da iniqüidade”. Consideramos muito estranho que discursos como esse tenham aparecido somente agora, 30 anos depois de posicionamentos silenciosos e marcados por uma profunda e vergonhosa omissão diante da opressão e da violência a liberdades civis, sobretudo durante a ditadura militar (1964-1985). Estranhamos ainda que tais discursos se irmanem com grupos e figuras do universo político-evangélico maculadas pelo dinheiro na cueca em Brasília, além da fatídica oração ao “Senhor” (Mamon?). Estranhamos ainda que tais discursos não denunciem a fome, o acúmulo de riqueza e de terras no Brasil (cf. Isaías 5,8), a pedofilia no meio católico e entre pastores protestantes, como iniquidades há tempos institucionalizadas entre nós. Estranhamos ainda que tais discursos somente agora notem a possibilidade da legalização da iniquidade nas instituições governamentais, e faça vistas grossas para a fatídica política neoliberal de FHC, além da compra do congresso para aprovar a reeleição. Estranhamos que tais discursos não considerem nossos códigos penal e tributário como iniqüidades institucionalizadas. Os exemplos de como a iniqüidade está radicalmente institucionalizada entre nós são tantos que seriam extenuantes. Certamente para quem se domesticou a ver nas injustiças sociais de nosso Brasil um fato “natural”, ou mesmo como a “vontade de Deus”, nada do mencionado antes parece ser iníquo. Infelizmente!

3. Como entidade identificada com o rigor da crítica e da autocrítica, desejamos expressar nosso descontentamento com a manipulação de imagens e de informações retalhadas, organizadas como apelo emocional e ideológico que mais falseia a realidade do que a apreende ou a esclarece. Textos, vídeos, e outros recursos de comunicação de massa, devem ser criteriosamente avaliados. Os discursos difamatórios tais como os que se dirigem agora contra o PT quase sempre se caracterizam por exemplos isolados recortados da realidade. Quase sempre, tais exemplos não são representativos da totalidade dos grupos e das ideologias envolvidas. Dito de forma simples: uma das armas prediletas da difamação é a manipulação, que se dá quase sempre pelo uso de falas e declarações retiradas do contexto maior de onde foram emitidas. Em lugar de estratégias como essas, que consideramos como atentados à ética e à inteligência das pessoas, gostaríamos de instigar aos pastores, igrejas, demais grupos eclesiásticos e civis, o debate franco e aberto, marcado pelo respeito e pela honestidade, mesmo que resultem em divergências de pensamento entre os participantes.

4. A Aliança de Batistas de Brasil é uma entidade identificada com a promoção e a defesa da vida para toda a sociedade humana e para o planeta. Mas consideramos também que é um perigo quando o discurso de defesa da vida toma carona em rancores de ordem política e ideológica. Consideramos, além disso, como uma conquista inegociável a laicidade de nosso estado. Por isso, desconfiamos de todo discurso e de todo projeto que visa (re)unir certas visões religiosas com as leis que regem nossa sociedade. A laicidade do estado, enquanto conquista histórica, deve permanecer como meio de evitar que certas influências religiosas usurpem o privilégio perante o estado, e promova assim a segregação de confissões religiosas diferentes. É mister recordar uma afirmação de um dos grandes referenciais teológicos entre os batistas brasileiros, atualmente esquecido: “Os batistas crêem na liberdade religiosa para si próprios. Mas eles crêem também na igualdade de todos os homens. Para eles, isso não é um direito; é uma paixão. Embora não tenhamos nenhuma simpatia pelo ateísmo, agnosticismo ou materialismo, nós defendemos a liberdade do ateu, do agnóstico e do materialista em suas convicções religiosas ou não-religiosas” (E. E. Mullins, citado por W. Shurden). Nossa posição está assentada na convicção de que o Evangelho, numa dada sociedade, não deve se garantir por meio das leis, mas por meio da influência da vida nova em Jesus Cristo. Não reza a maior parte das Histórias Eclesiásticas a convicção de que a derrota do Cristianismo consistiu justamente em seu irmanamento com o Império Romano? Impor a influência de nossa fé por meio das leis do estado não é afirmar a fraqueza e a insuficiência do Evangelho como “poder de Deus para a salvação de todo o que crê”? No mais, em regimes democráticos como o estado brasileiro, existem mecanismos de participação política e popular cuja finalidade é a construção de uma estrutura governamental cada vez mais participativa. Foi-se o tempo em que nossa participação política estava confinada à representatividade daqueles em quem votamos.

5. A Aliança de Batistas do Brasil se posiciona contra a demonização do PT, levando em consideração também que tal processo nega o legado histórico do Partido dos Trabalhadores na construção de um projeto político nascido nas bases populares e identificado com a inclusão e a justiça social. Os que afirmam o nascimento de um “império da iniquidade”, com uma possível vitória do PT nas atuais eleições, “esquecem” o fundamental papel deste partido em projetos que trouxeram mais justiça para a nação brasileira, como, por exemplo: na reorganização dos movimentos trabalhistas, ainda no período da ditadura militar, visando torná-los independentes da tutela do estado; na implantação e fortalecimento do movimento agrário-ecológico dos seringueiros do Acre pela instalação de reservas extrativistas na Amazônia, dirigido, na década de 1980, por Chico Mendes; nas ações em favor da democracia, lutando contra a ditadura militar e utilizando, em sua própria organização, métodos democráticos, rompendo com o velho “peleguismo” e com a burocracia sindical dos tempos varguistas; nas propostas e lutas em favor da reforma agrária ao lado de movimentos de trabalhadores rurais, sobretudo o MST; no apoio às lutas pelos direitos das crianças, adolescentes, jovens, mulheres, homossexuais, negros e indígenas; e na elaboração de estratégias, posteriormente transformadas em programas, de combate à fome e à miséria. Atualmente, na reta final do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, vemos que muita coisa desse projeto político nascido nas bases populares foi aplicado. O governo Lula caminha para seu encerramento apresentando um histórico de significativas mudanças no Brasil: diminuição do índice de desemprego, ampliação dos investimentos e oportunidades para a agricultura familiar, aumento do salário mínimo, liquidação das dívidas com o FMI, fim do ciclo de privatização de empresas estatais, redução da pobreza e miséria, melhor distribuição de renda, maior acesso à alimentação e à educação, diminuição do trabalho escravo, redução da taxa de desmatamento etc. É verdade que ainda há muito a se avançar em várias áreas vitais do Brasil, mas não há como negar que o atual governo do PT na Presidência da República tem favorecido a garantia dos direitos humanos da população brasileira, o que, com certeza, não aconteceria num “império de iniquidade”. Está ficando cada vez mais claro que os pregadores que anunciam dos seus púpitos o início de uma suposta amplitude do mal, numa continuidade do PT no Executivo Federal, são os que estão com saudade do Brasil ajoelhado diante do capital estrangeiro, produzindo e gerenciando miséria, matando trabalhadores rurais, favorecendo os latifundiários, tratando aposentados como vagabundos, humilhando os desempregados e propondo o fim da história.

Enfim, a Aliança de Batistas do Brasil vem a público levantar o seu protesto contra o processo apelatório e discriminador que nos últimos dias tem associado o Partido dos Trabalhadores às forças da iniquidade. Lamentamos, sobretudo, a participação de líderes e igrejas cristãs nesses discursos e atitudes, que lembram muito a preparação das fogueiras da inquisição.

Maceió, 10 de setembro de 2010.
Pastora Odja Barros Santos – Presidente


Abraços,
Ricardo A. da Silva

domingo, 12 de setembro de 2010

Gente feliz

Feliz é quem não segue os conselhos dos perversos: essa gente que sonega o direito; persegue o inocente; e, para quem, os fins justificam os meios.

Feliz é quem não relativiza o amar a Deus, acima de tudo, e o amar ao próximo, como a gente gosta de ser amado, como guia para toda a ação.

Feliz é quem sabe que toda a vida é sagrada, e a preserva.

Feliz é quem vive e anda com os justificados: promovendo o direito e preservando toda a vida.

Feliz é o que está plantado na comunidade dos declarados justos: onde esse amor é o modo de viver, e a vida, então, flui como um rio, que o faz crescer como uma árvore sempre verdejante.

Feliz é o que dá tempo ao tempo, e, no tempo certo, faz o que tem de fazer.

Feliz é o que sabe que o prazer não é um lugar, mas uma construção.

Feliz é o que medita em como ser gente como gente deve ser: que medita em como viver a partir do amar a Deus acima de tudo, e do amar ao próximo como a gente gosta de ser amado.

Feliz é quem anda nesse caminho onde a maldade não tem lugar: porque esse é o caminho de Deus!


Ariovaldo Ramos

sábado, 11 de setembro de 2010

Essa igreja não existe mais

“Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos.” At 2:43-47

Na época do surgimento da Igreja do Novo Testamento, a palavra igreja significava, apenas, uma reunião qualquer de um grupo organizado ou não. Assim, o texto nos revela que havia um grupo organizado em torno de sua fé (Todos os que criam estavam unidos) – todos acreditavam em Cristo.

Segundo o texto, os participantes do grupo do Cristo não tinham propriedade pessoal, tudo era de todos (tinham tudo em comum) – os membros desse grupo vendiam suas propriedades e bens e repartiam por todos – e isso era administrado a partir da necessidade de cada um; e se reuniam todos os dias no templo; e pensavam todos do mesmo jeito, primando pelo mesmo padrão de vida (unânimes); e comiam juntos todos os dias, repartidos em casas, que, agora, eram de todos, uma vez que não havia mais propriedade particular; e eram alegres e de coração simples; e viviam a louvar a Deus; e todo o povo gostava deles, e o grupo crescia diariamente. Diariamente, portanto, havia gente acreditando em Cristo, se unindo ao grupo, abrindo mão de suas propriedades e bens e colocando tudo à disposição de todos.

Essa Igreja era a Comunhão dos santos – chamados e trazidos para fora do império das trevas, para servirem ao Criador, no Reino da Luz.

Essa Igreja não precisava orar por necessidades materiais e sociais, bastava contar para os irmãos, que a comunidade resolvia a necessidade deles.

Deus havia respondido, a priori, todas as orações por necessidades materiais e sociais, fazendo surgir uma comunidade solidária.

O pedido: “O pão nosso de cada dia, dá-nos hoje." (Mt 6.9) estava respondido, e diariamente.

Então, para haver o “pão nosso” não pode haver o pão, o bem ou a propriedade minha, todos os bens e propriedades têm de ser de todos.

Mais tarde, eles elegeram um grupo de pessoas, chamadas de diáconos – garçons, para cuidar disso (At 6.3). Então, diante de qualquer necessidade, bastava procurar os garçons, que a comunidade cuidava de tudo. Era o princípio do direito: se alguém tinha uma necessidade, a comunidade tinha um dever.

Essa Igreja não existe mais!


Ariovaldo Ramos
retirado do blog da FLAM

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ganhei coragem

“Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece“, observou Nietzsche. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Albert Camus, ledor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora quando a coragem chega: “Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos“. Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem. Vou dizer aquilo sobre que me calei: “O povo unido jamais será vencido“: é disso que eu tenho medo.

Em tempos passados invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o “povo“ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo... Não sei se foi bom negócio: o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de televisão que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia o povo e Deus andam sempre em direções opostas.

Bastou que Moisés, líder, se distraísse, na montanha, para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os 10 mandamentos. E há estória do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras idéias. Amava a prostituição. Pulava de amante a amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou... Passado muito tempo Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos... E que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: “Agora você será minha para sempre...“ Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta. Mas sabia que ela não era confiável. O povo sempre preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhes contavam mentiras. As mentiras são doces. A verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos o circo era os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos. Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro O homem moral e a sociedade imoral observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se “responsáveis“ por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo, tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral.

O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado comprava os votos do povo por franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo... Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições – e a democracia - são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o Volkswagen. Volk, em alemão, quer dizer “povo“...

O povo unido jamais será vencido! Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos... Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio, não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol (tive a desgraça de viajar por duas vezes, de avião, com um time de futebol...). Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e engolir sapos e a brincar de “boca-de-forno“, à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: “Caminhando e cantando e seguindo a canção...“ Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.


Rubem Alves
(Folha de S. Paulo, 05/05/2002)
retirado do site www.rubemalves.com.br

Cristianismo, politica e o video do Piragibe

Galera,

Essa semana diversas vezes chegou um video ao meu email contendo o posicionamento do Paschoal Piragibe com relações as eleições 2010 no Brasil, e sinceramente não tive tempo de compor uma resposta ou um parecer pessoal sobre o video, mas ontem achei um artigo que reflete minha opnião, por isso, segue o link a todos interessados nesse assunto:

http://www.novosdialogos.com/artigo.asp?id=268

Também recomendo o texto publicado no site da Ultimato, segue:

http://www.ultimato.com.br/?pg=show_conteudo&util=1&categoria=1&registro=1349

E para aqueles que ainda não viram o video, segue o link:

http://www.youtube.com/watch?v=ILwU5GhY9MI&feature=player_embedded


Abraços,
Ricardo A. da Silva

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Em clima de Lausanne

Em breve acontecera o 3° Congresso de Lausannes e nesse clima segue o Pacto de Lausanne frupo primeiro congresso que aconteceu na Suiça em 1974, organizado por Billy Gram, que teve as presenças dos "tupinikins" Rene Padilha, Orlando Costas apoiados pelo santo padroeiro da ABU Jonh Stott, também presente entre outros, rs. Segue, espero que gostem.


INTRODUÇÃO
Nós, membros da Igreja de Jesus Cristo, procedentes de mais de 150 nações, participantes do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, em Lausanne, louvamos a Deus por sua grande salvação, e regozijamo-nos com a comunhão que, por graça dele mesmo, podemos ter com ele e uns com os outros. Estamos profundamente tocados pelo que Deus vem fazendo em nossos dias, movidos ao arrependimento por nossos fracassos e desafiados pela tarefa inacabada da evangelização. Acreditamos que o evangelho são as boas novas de Deus para todo o mundo, e por sua graça, decidimo-nos a obedecer ao mandamento de Cristo de proclamá-lo a toda a humanidade e fazer discípulos de todas as nações. Desejamos, portanto, reafirmar a nossa fé e a nossa resolução, e tornar público o nosso pacto.

1. O Propósito de Deus

Afirmamos a nossa crença no único Deus eterno, Criador e Senhor do Mundo, Pai, Filho e Espírito Santo, que governa todas as coisas segundo o propósito da sua vontade. Ele tem chamado do mundo um povo para si, enviando-o novamente ao mundo como seus servos e testemunhas, para estender o seu reino, edificar o corpo de Cristo, e também para a glória do seu nome. Confessamos, envergonhados, que muitas vezes negamos o nosso chamado e falhamos em nossa missão, em razão de nos termos conformado ao mundo ou nos termos isolado demasiadamente. Contudo, regozijamo-nos com o fato de que, mesmo transportado em vasos de barro, o evangelho continua sendo um tesouro precioso. À tarefa de tornar esse tesouro conhecido, no poder do Espírito Santo, desejamos dedicar-nos novamente

2. A Autoridade e o Poder da Bíblia
Afirmamos a inspiração divina, a veracidade e autoridade das Escrituras tanto do Velho como do Novo Testamento, em sua totalidade, como única Palavra de Deus escrita, sem erro em tudo o que ela afirma, e a única regra infalível de fé e prática. Também afirmamos o poder da Palavra de Deus para cumprir o seu propósito de salvação. A mensagem da Bíblia destina-se a toda a humanidade, pois a revelação de Deus em Cristo e na Escritura é imutável. Através dela o Espírito Santo fala ainda hoje. Ele ilumina as mentes do povo de Deus em toda cultura, de modo a perceberem a sua verdade, de maneira sempre nova, com os próprios olhos, e assim revela a toda a igreja uma porção cada vez maior da multiforme sabedoria de Deus

3. A Unicidade e a Universalidade de Cristo
Afirmamos que há um só Salvador e um só evangelho, embora exista uma ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização. Reconhecemos que todos os homens têm algum conhecimento de Deus através da revelação geral de Deus na natureza. Mas negamos que tal conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua injustiça, suprimem a verdade. Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do evangelho, todo e qualquer tipo de sincretismo ou de diálogo cujo pressuposto seja o de que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias. Jesus Cristo, sendo ele próprio o único Deus-homem, que se ofereceu a si mesmo como único resgate pelos pecadores, é o único mediador entre Deus e os homems. Não existe nenhum outro nome pelo qual importa que sejamos salvos. Todos os homens estão perecendo por causa do pecado, mas Deus ama todos os homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se arrependam. Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e condenam-se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como "o Salvador do mundo" não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de tudo, serão salvos; e muito menos que todas as religiões ofereçam salvação em Cristo. Trata-se antes de proclamar o amor de Deus por um mundo de pecadores e convidar todos os homens a se entregarem a ele como Salvador e Senhor no sincero compromisso pessoal de arrependimento e fé. Jesus Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como Senhor.

4. A Natureza da Evangelização

Evangelizar é difundir as boas novas de que Jesus Cristo morreu por nossos pecados e ressuscitou segundo as Escrituras, e de que, como Senhor e Rei, ele agora oferece o perdão dos pecados e o dom libertador do Espírito a todos os que se arrependem e crêem. A nossa presença cristã no mundo é indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos, tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo.

5. A Responsabilidade Social Cristã

Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta.

6. A Igreja e a Evangelização

Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. Precisamos deixar os nossos guetos eclesiásticos e penetrar na sociedade não-cristã. Na missão de serviço sacrificial da igreja a evangelização é primordial. A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo, e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. Mas uma igreja que pregue a Cruz deve, ela própria, ser marcada pela Cruz. Ela torna-se uma pedra de tropeço para a evangelização quando trai o evangelho ou quando lhe falta uma fé viva em Deus, um amor genuíno pelas pessoas, ou uma honestidade escrupulosa em todas as coisas, inclusive em promoção e finanças. A igreja é antes a comunidade do povo de Deus do que uma instituição, e não pode ser identificada com qualquer cultura em particular, nem com qualquer sistema social ou político, nem com ideologias humanas.

7. Cooperação na Evangelização

Afirmamos que é propósito de Deus haver na igreja uma unidade visível de pensamento quanto à verdade. A evangelização também nos convoca à unidade, porque o ser um só corpo reforça o nosso testemunho, assim como a nossa desunião enfraquece o nosso evangelho de reconciliação. Reconhecemos, entretanto, que a unidade organizacional pode tomar muitas formas e não ativa necessariamente a evangelização. Contudo, nós, que partilhamos a mesma fé bíblica, devemos estar intimamente unidos na comunhão uns com os outros, nas obras e no testemunho. Confessamos que o nosso testemunho, algumas vezes, tem sido manchado por pecaminoso individualismo e desnecessária duplicação de esforço. Empenhamo-nos por encontrar uma unidade mais profunda na verdade, na adoração, na santidade e na missão. Instamos para que se apresse o desenvolvimento de uma cooperação regional e funcional para maior amplitude da missão da igreja, para o planejamento estratégico, para o encorajamento mútuo, e para o compartilhamento de recursos e de experiências.

8. Esforço Conjugado de Igrejas na Evangelização

Regozijamo-nos com o alvorecer de uma nova era missionária. O papel dominante das missões ocidentais está desaparecendo rapidamente. Deus está levantando das igrejas mais jovens um grande e novo recurso para a evangelização mundial, demonstrando assim que a responsabilidade de evangelizar pertence a todo o corpo de Cristo. Todas as igrejas, portando, devem perguntar a Deus, e a si próprias, o que deveriam estar fazendo tanto para alcançar suas próprias áreas como para enviar missionários a outras partes do mundo. Deve ser permanente o processo de reavaliação da nossa responsabilidade e atuação missionária. Assim, haverá um crescente esforço conjugado pelas igrejas, o que revelará com maior clareza o caráter universal da igreja de Cristo. Também agradecemos a Deus pela existência de instituições que laboram na tradução da Bíblia, na educação teológica, no uso dos meios de comunicação de massa, na literatura cristã, na evangelização, em missões, no avivamento de igrejas e em outros campos especializados. Elas também devem empenhar-se em constante auto-exame que as levem a uma avaliação correta de sua efetividade como parte da missão da igreja.

9. Urgência da Tarefa Evangelística

Mais de dois bilhões e setecentos milhões de pessoas, ou seja, mais de dois terços da humanidade, ainda estão por serem evangelizadas. Causa-nos vergonha ver tanta gente esquecida; continua sendo uma reprimenda para nós e para toda a igreja. Existe agora, entretanto, em muitas partes do mundo, uma receptividade sem precedentes ao Senhor Jesus Cristo. Estamos convencidos de que esta é a ocasião para que as igrejas e as instituições para-eclesiásticas orem com seriedade pela salvação dos não-alcançados e se lancem em novos esforços para realizarem a evangelização mundial. A redução de missionários estrangeiros e de dinheiro num país evangelizado algumas vezes talvez seja necessária para facilitar o crescimento da igreja nacional em autonomia, e para liberar recursos para áreas ainda não evangelizadas. Deve haver um fluxo cada vez mais livre de missionários entre os seis continentes num espírito de abnegação e prontidão em servir. O alvo deve ser o de conseguir por todos os meios possíveis e no menor espaço de tempo, que toda pessoa tenha a oportunidade de ouvir, de compreender e de receber as boas novas. Não podemos esperar atingir esse alvo sem sacrifício. Todos nós estamos chocados com a pobreza de milhões de pessoas, e conturbados pelas injustiças que a provocam. Aqueles dentre nós que vivem em meio à opulência aceitam como obrigação sua desenvolver um estilo de vida simples a fim de contribuir mais generosamente tanto para aliviar os necessitados como para a evangelização deles.

10. Evangelização e Cultura

O desenvolvimento de estratégias para a evangelização mundial requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o resultado será o surgimento de igrejas profundamente enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas com a cultura local. A cultura deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras. Porque o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e em bondade; porque ele experimentou a queda, toda a sua cultura está manchada pelo pecado, e parte dela é demoníaca. O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura sobre a outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores morais absolutos, em todas as culturas. As missões muitas vezes têm exportado, juntamente com o evangelho, uma cultura estranha, e as igrejas, por vezes, têm ficado submissas aos ditames de uma determinada cultura, em vez de às Escrituras. Os evangelistas de Cristo têm de, humildemente, procurar esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a fim de se tornarem servos dos outros, e as igrejas têm de procurar transformar e enriquecer a cultura; tudo para a glória de Deus.

11. Educação e Liderança

Confessamos que às vezes temos nos empenhado em conseguir o crescimento numérico da igreja em detrimento do espiritual, divorciando a evangelização da edificação dos crentes. Também reconhecemos que algumas de nossas missões têm sido muito remissas em treinar e incentivar líderes nacionais a assumirem suas justas responsabilidades. Contudo, apoiamos integralmente os princípios que regem a formação de uma igreja de fato nacional, e ardentemente desejamos que toda a igreja tenha líderes nacionais que manifestem um estilo cristão de liderança não em termos de domínio, mas de serviço. Reconhecemos que há uma grande necessidade de desenvolver a educação teológica, especialmente para líderes eclesiáticos. Em toda nação e em toda cultura deve haver um eficiente programa de treinamento para pastores e leigos em doutrina, em discipulado, em evangelização, em edificação e em serviço. Este treinamento não deve depender de uma metodologia estereotipada, mas deve se desenvolver a partir de iniciativas locais criativas, de acordo com os padrões bíblicos.

12. Conflito Espiritual
Cremos que estamos empenhados num permanente conflito espiritual com os principados e postestades do mal, que querem destruir a igreja e frustrar sua tarefa de evangelização mundial. Sabemos da necessidade de nos revestirmos da armadura de Deus e combater esta batalha com as armas espirituais da verdade e da oração. Pois percebemos a atividade no nosso inimigo, não somente nas falsas ideologias fora da igreja, mas também dentro dela em falsos evangelhos que torcem as Escrituras e colocam o homem no lugar de Deus. Precisamos tanto de vigilância como de discernimento para salvaguardar o evangelho bíblico. Reconhecemos que nós mesmos não somos imunes à aceitação do mundanismo em nossos atos e ações, ou seja, ao perigo de capitularmos ao secularismo. Por exemplo, embora tendo à nossa disposição pesquisas bem preparadas, valiosas, sobre o crescimento da igreja, tanto no sentido numérico como espiritual, às vezes não as temos utilizado. Por outro lado, por vezes tem acontecido que, na ânsia de conseguir resultados para o evangelho, temos comprometido a nossa mensagem, temos manipulado os nossos ouvintes com técnicas de pressão, e temos estado excessivamente preocupados com as estatísticas, e até mesmo utilizando-as de forma desonesta. Tudo isto é mundano. A igreja deve estar no mundo; o mundo não deve estar na igreja.

13. Liberdade e Perseguição

É dever de toda nação, dever que foi estabelecido por Deus, assegurar condições de paz, de justiça e de liberdade em que a igreja possa obedecer a Deus, servir a Cristo Senhor e pregar o evangelho sem quaisquer interferências. Portanto, oramos pelos líderes das nações e com eles instamos para que garantam a liberdade de pensamento e de consciência, e a liberdade de praticar e propagar a religião, de acordo com a vontade de Deus, e com o que vem expresso na Declaração Universal do Direitos Humanos. Também expressamos nossa profunda preocupação com todos os que têm sido injustamente encarcerados, especialmente com nossos irmãos que estão sofrendo por causa do seu testemunho do Senhor Jesus. Prometemos orar e trabalhar pela libertação deles. Ao mesmo tempo, recusamo-nos a ser intimidados por sua situação. Com a ajuda de Deus, nós também procuraremos nos opor a toda injustiça e permanecer fiéis ao evangelho, seja a que custo for. Nós não nos esquecemos de que Jesus nos previniu de que a perseguição é inevitável.

14. O Poder do Espírito Santo

Cremos no poder do Espírito Santo. O pai enviou o seu Espírito para dar testemunho do seu Filho. Sem o testemunho dele o nosso seria em vão. Convicção de pecado, fé em Cristo, novo nascimento cristão, é tudo obra dele. De mais a mais, o Espírito Santo é um Espírito missionário, de maneira que a evangelização deve surgir espontaneamente numa igreja cheia do Espírito. A igreja que não é missionária contradiz a si mesma e debela o Espírito. A evangelização mundial só se tornará realidade quando o Espírito renovar a igreja na verdade, na sabedoria, na fé, na santidade, no amor e no poder. Portanto, instamos com todos os cristãos para que orem pedindo pela visita do soberano Espírito de Deus, a fim de que o seu fruto todo apareça em todo o seu povo, e que todos os seus dons enriqueçam o corpo de Cristo. Só então a igreja inteira se tornará um instrumento adequado em Suas mãos, para que toda a terra ouça a Sua voz.

15. O Retorno de Cristo

Cremos que Jesus Cristo voltará pessoal e visivelmente, em poder e glória, para consumar a salvação e o juízo. Esta promessa de sua vinda é um estímulo ainda maior à evangelização, pois lembramo-nos de que ele disse que o evangelho deve ser primeiramente pregado a todas as nações. Acreditamos que o período que vai desde a ascensão de Cristo até o seu retorno será preenchido com a missão do povo de Deus, que não pode parar esta obra antes do Fim. Também nos lembramos da sua advertência de que falsos cristos e falsos profetas apareceriam como precursores do Anticristo. Portanto, rejeitamos como sendo apenas um sonho da vaidade humana a idéia de que o homem possa algum dia construir uma utopia na terra. A nossa confiança cristã é a de que Deus aperfeiçoará o seu reino, e aguardamos ansiosamente esse dia, e o novo céu e a nova terra em que a justiça habitará e Deus reinará para sempre. Enquanto isso, rededicamo-nos ao serviço de Cristo e dos homens em alegre submissão à sua autoridade sobre a totalidade de nossas vidas.

CONCLUSÃO
Portanto, à luz desta nossa fé e resolução, firmamos um pacto solene com Deus, bem como uns com os outros, de orar, planejar e trabalhar juntos pela evangelização de todo o mundo. Instamos com outros para que se juntem a nós. Que Deus nos ajude por sua graça e para a sua glória a sermos fiéis a este Pacto! Amém. Aleluia!

[Lausanne, Suíça, 1974]


A Deus Somente A Glória,
Ricardo A. da Silva

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...